sexta-feira, 10 de agosto de 2018

Zarattini entra com ação na PGR para barrar decreto da mineração

O governo ilegítimo de Michel Temer tenta nova manobra para autorizar comercialização de áreas da mineração para empresas estrangeiras. Para barrar essa sanha entreguista, o vice-líder do PT na Câmara, deputado Carlos Lula Zarattini (PT-SP), entrou nesta quarta-feira (11) com representação na Procuradoria-Geral da República contra a edição, pelo Poder Executivo, do Decreto nº 9.406/2018, que estabelece novo regulamento do Código de Mineração. Na representação, o parlamentar solicitou que o Ministério Público Federal “adote providências legais com vistas à defesa do patrimônio e dos recursos minerais do País, novamente ameaçados com o Decreto”.

No âmbito do Congresso, Zarattini apresentou o projeto de Decreto Legislativo nº 994/18 para sustar ato do governo federal. O parlamentar justificou que as mudanças propostas por Temer na regulamentação do Código de Mineração e a prévia autorização para que o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) outorgue direitos minerários para qualquer empresa nacional ou internacional sem realizar leilão são decisões que colocam em risco o patrimônio nacional. “Temer incentiva uma perigosa corrida do ouro adotando várias medidas para destruir nossas políticas públicas na área de mineração e sinaliza ao mercado internacional uma ampla liberalidade para espoliar as riquezas minerais. Esse novo decreto poderá permitir a comercialização suspeita de áreas de mineração sem qualquer transparência. Precisamos sustar com urgência essa decisão”, defendeu.

Desde que assumiu a Presidência da República, Temer já indicou 13 nomes para as 15 vagas nas diretorias de agências reguladoras como Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e Agência Nacional de Mineração (ANM), todas ligadas ao Ministério de Minas e Energia. O Senado deve sabatinar nos próximos meses os cinco nomes que irão integrar a diretoria da recém-criada ANM. “Temos que barrar a indicação dos novos integrantes da Agência Nacional de Mineração. Porque são nomes vinculados aos interesses das mineradoras e que vão passar a ter acesso a informações do nosso patrimônio mineral”.



RENCA – O governo Temer já tentou facilitar a venda de terras para estrangeiros em grandes extensões territoriais. Em 2017 editou o Decreto nº 9.142/2017 que favorecia a exploração, por grandes empresas de mineração internacionais, de áreas estratégicas nacionais, sob um falso pretexto de “atrair investimentos” para a indústria mineral. Entre as áreas mais valiosas, estava a Reserva Nacional do Cobre, a RENCA, cuja abertura motivou forte oposição no Brasil e exterior, suscitando a sua revogação. “Na essência, os dois decretos têm o mesmo conteúdo e é uma ameaça à soberania nacional e à preservação da Amazônia”, alertou Zarattini.

Situada na região de fronteira do Brasil, na divisa dos estados do Pará e Amapá, a RENCA tem área total tem 46,8 mil km2, aproximadamente a área do estado do Espírito Santo. É uma região estudada desde a década de 1960, geologicamente favorável a ocorrências de minérios valiosos, como ouro, cobre, manganês, ferro, tântalo, diamantes, fosfato, cromo, entre outros. No território compreendido pela RENCA, estão presentes sete unidades de conservação, sendo três de Proteção Integral e quatro de Uso Sustentável, além de duas Terras Indígenas, que perfazem cerca de 70% da área da reserva.

quinta-feira, 3 de maio de 2018

Artigo: O tamanho da tragédia por Janio de Freitas

As ocupações no centro de São Paulo são frutos ácidos da tragédia social e de descaso governamental

Por * Janio de Freitas 


Por um instante, estamos de volta a palavras e expressões como "tragédia", "descaso do poder público" e "problema de moradia" colhidas na fogueira de uma ocupação no centro de São Paulo. São verdades, mas pequenas verdades. A tragédia e o descaso são monstruosamente maiores.

Diz-se, com base no IBGE, que há coisa de 8 milhões de imóveis desocupados no Brasil. E uns 7 milhões de famílias, bem mais de 20 milhões de pessoas, sofrendo o eufemismo "déficit habitacional". Não crer nesses números é uma sugestão amigável.

Moradias desocupadas, como as lojas, na crise e no desemprego multiplicaram-se em uma forma de denúncia involuntária do desastre que a direita, a certa altura, achou prudente silenciar. Os números de famílias e pessoas não incluem os que sobrevivem, entre a precariedade e a miséria total de seu teto e seu chão, em locais onde pesquisadores não entram.

                             


Já na fermentação que preparou o golpe de 64, o "problema de moradia" teve uma influência de repente equiparada ao da reforma agrária. O número incalculável e crescente de imóveis desocupados chegou a evidências revoltantes, de 63 para 64.

No começo do acúmulo, contra a dificuldade de aumentos indiscriminados dos aluguéis e dos despejos, sujeitados à lei do inquilinato. Depois, pela propaganda anti-Jango de que o golpe comunista daria aos inquilinos a propriedade de suas moradias de aluguel.

O afoito ministro da Justiça, Abelardo Jurema, respondeu com o anúncio de uma próxima reforma urbana que desapropriaria todos os imóveis desocupados. Outra reforma vazia, mas fez crescer muito a agitação fomentada pelos colecionadores de casas e apartamentos vazios (costume entre donos de meios de comunicação da época) e respectivas, ou nem tanto, madames.

O então presidente do Sindicatos das Empresas de Jornais e Revistas, deputado Chagas Freitas, chegou a ter uma imobiliária para administrar seus mais de 500 imóveis.

A abolição da escravatura, a volta das tropas homicidas de Canudos, o "Bota Abaixo" da modernização urbana do Rio por Pereira Passos (a propósito, "A Revolta da Vacina", do sempre lembrável Nicolau Sevcenko, é excelente) deram origem às favelas e abriram a série longa de fases e episódios agudos do "problema de moradia".

Nenhum fez mudar coisa alguma, exceto a Lei do Inquilinato pelos militares, para favorecer aos proprietários os aumentos e os despejos de quem não pudesse pagá-los.

Os governos Lula e Dilma foram os primeiros a dedicar verbas e esforços de fato significativos à redução da carência de moradias com as condições básicas da dignidade humana. A constatação, porém, de uma qualquer deficiência em algum das centenas de milhares de imóveis entregues é motivo de escarcéu impresso e em telas, com a responsabilização dos dois governantes, não das construtoras que seguiram a praxe de roubar no material e na obra.

Muito simples e muito brasileiro: se Lula e Dilma não dedicassem dinheiro e esforço a reduzir a miséria habitacional, não seriam criticados nem igualados aos antecessores, todos poupados porque alheios às desgraças nacionais.

O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, MTST, não nasceu só para chatear. Tem causa como origem e causa como razão de ser.

As ocupações no centro de São Paulo não aumentaram à toa, em menos de cinco anos, de 42 para 70. Nem ocorrem e aumentam só aí. São frutos ácidos da tragédia social e de descaso governamental. Frutos estes, por sua vez, da lucrativa sociedade entre poder público e poder privado que desgraça o Brasil.

* Janio de Freitas /Colunista e membro do Conselho Editorial da Folha, analisa a política e a economia.

 

Publicado originalmente no jornal Folha S.Paulo de 3 de maio de 2018.

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/janiodefreitas/2018/05/o-tamanho-da-tragedia.shtml?loggedpaywall#_=_