O PMDB continua o aliado incômodo, mas necessário para qualquer governo. A presidenta Dilma Rousseff, no entanto, devolveu o incômodo, no episódio da demissão do deputado Pedro Novais (PMDB-MA): ela sacrificou o quinto ministro da sua equipe original, que assumiu em janeiro, terceiro do PMDB - os demais foram um do PT e outro do PR -, mas jogou o problema no colo do partido. O parlamentar que saiu, detonado por sucessivos escândalos próprios de quem está acostumado à política de clientela de seu Estado, foi substituído por outro da mesma clientela, o "sarneyzismo maranhense": ponto a menos para o governo. Mas, ao tornar público que o PMDB escolheria quem quisesse, com a única exigência de que fosse um "ficha limpa", Dilma responsabilizou um partido de poucos quadros credenciados, ética e administrativamente, por qualquer problema futuro com a indicação. É um compromisso que a legenda vai ter dificuldades de cumprir. A vida do PMDB não é tão fácil quanto se pinta.
Desde o governo Sarney (1985-1990), perdeu os seus melhores quadros, interiorizou-se e vive de uma bancada grande e de um número considerável de prefeitos obtidos com o uso intensivo da prática tradicional de obter votos: uma base municipal com lideranças sustentadas por favores federais. Quando obtém o governo do Estado, o partido agrega à sua cadeia de interesses os governadores. Na rede de poder, ninguém consegue sobreviver sem um vínculo forte com o governo, a não ser que detenha grande poder econômico. Mesmo as lideranças familiares do Norte e Nordeste, que no passado encontravam guarida no PMDB, no PFL e menos intensamente no PSDB, estão com dificuldades de manter os seus redutos eleitorais regionais tradicionais. Existe uma disputa intensa pelos votos dos mais pobres, reduto que o PT está rompendo mesmo numa situação em que ambos estão aliados no governo federal.
Segundo Luciana Fernandes Veiga ("Os partidos brasileiros na perspectiva dos eleitores", revista Opinião Pública, volume 13, no. 2, de 2007), de 2002 a 2006 ocorreu um significativo deslocamento social nas preferências do voto. Ela chega a essa conclusão por meio de pesquisas de opinião feitas pelo Eseb, em 2002 e 2006. Os dados acabam refletindo a realidade das eleições daqueles anos, que deram o primeiro e o segundo mandatos de presidente a Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo pesquisas do Eseb, o PT perdeu 5% dos eleitores que se declaravam identificados com o partido - eles eram 23% em 2002 e passaram a 18% em 2006. Todavia, a identificação dos eleitores com os outros partidos não passa de um dígito. O PMDB, partido mais antigo do atual quadro partidário, e PSDB, que polariza com o PT nas disputas presidenciais desde 1994, são identificados, cada um, por 4% dos entrevistados. Os demais são quase um risco estatístico.
É interessante notar que, de uma eleição para outra, muda o perfil dos eleitores que declaram identidade com os partidos. O PT passou a captar a simpatia dos menos escolarizados e com menos renda; aumentou a renda dos identificados com o PMDB. A declaração de identidade do eleitor no PT cresceu no Nordeste, Norte e Centro-Oeste e caiu no Sudeste, da primeira para a segunda eleição de Lula; o PMD fez o caminho contrário: reduziu no Nordeste e Sudeste e cresceu no Sul.
Se o PMDB não tivesse se coligado com o partido de Lula em 2010, dificilmente teria conseguido fazer a bancada que fez. A agremiação perdeu eleitorado nas regiões mais ricas e passou a disputar votos com o PT nas mais pobres. Ainda dispõe de força municipal, graças ao poder dado aos chefes locais, mas não pode prescindir do aval de Lula ao partido nas eleições passadas, e dificilmente conquistará uma autonomia para fazer carreira solo nas eleições presidenciais futuras. Dependerá sempre da carona que pega em candidaturas alheias. A situação do PMDB, hoje, é a seguinte: tem uma invejável bancada de79 deputados federais (em 513), 19 dos 81 senadores, 5 dos 27 deputados e 147 dos 1.035 deputados estaduais. É a segunda maior bancada da Câmara e a primeira do Senado.
Tem o maior número deprefeitos: 1207, mais de 600 a mais que o PT. Se os números dissessem tudo, seria em disparado o partido mais forte do país.
Todavia, as suas fragilidades também são imensas. Em primeiro lugar, a política regionalista do PMDB não proporcionou a formação de nenhum líder nacional do partido, e sua fragmentação interna não permite abrigar alguém de fora que cumpra esse papel. Na verdade, o mapeamento de interesses já está feito, e é isso que garante alguma organicidade ao partido: uma unidade para manter as parcelas de poder e de verbas para seus pares, individualmente. É um partido sem cabeça e com muitos braços, quase todos na mesma ordem de hierarquia. Os poucos líderes nacionais dependem de somar os interesses de baixo para se manter como interlocutores junto ao governo federal.
O PMDB coloca qualquer governo em maus lençóis, mas os seus próprios lençóis também não são confortáveis. É um partido cujos candidatos vivem dos favores governamentais, e isso põe seus integrantes sempre no fio da navalha, entre o lícito e o ilícito. É importante para o governo porque tem grande bancada, mas no governo Dilma Rousseff tem sofrido um sério enquadramento. A presidenta sofre o desgaste de ter sempre um pemedebista na mira da Controladoria Geral da União, do TCU ou do Ministério Público. Mas o PMDB, pressionado a se enquadrar a regras eticamente aceitáveis para compor o Ministério, não tem quadros a oferecer que fuja do modelito. (Só para fazer justiça, o PR do ministro Alfredo Nascimento não é melhor, mas é menor; o PT do ministro Antonio Palocci tem escolhas. Foram os dois que caíram e não são peemedebistas. Um dos três peemedebistas demitidos, Nelson Jobim, foi embora porque fala demais).
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