Seria por demais importante para a sociedade brasileira que os pesquisadores e todos os demais profissionais que de alguma maneira trabalham com questões de cunho ambiental assumissem em sua prática uma constatação que já de há muito se nos apresenta clara e contundente: não há posicionamento filosófico, ideológico, político, por mais justo e belo que seja, que substitua ou dispense uma sólida e consistente base científica e tecnológica.
Agregaria mais um atributo ainda a essa indispensável base científica e tecnológica: ser traduzida em propostas práticas e factíveis de pronta aplicação.
Não que as postulações filosóficas, ideológicas e políticas não façam sentido, obviamente são também indispensáveis e são elas que, ao limite, vão propiciar as mudanças culturais e comportamentais necessárias à alteração do rumo suicida com que o Homem vem conduzindo suas relações com o Planeta. Mas o dilema que se nos apresenta hoje estabelece, inexoravelmente, que se não minimizarmos desde já certas conseqüências de erros crassos que vêm sendo cometidos por ações humanas junto ao Meio Ambiente, por certo os prejuízos causados à população atingirão patamares insuportáveis, e até a possível recuperação de alguns equilíbrios e condições ambientais de enorme importância poderão se tornar definitivamente impraticáveis.
Poderíamos citar um elenco grande de situações que bem ilustrassem essas afirmações, algumas de caráter planetário, outras de caráter regional ou local, mas talvez bastasse nominar algumas dessas últimas para bem exemplificar o dilema colocado: os processos erosivos urbanos e rurais associados ao assoreamento da rede de drenagem e reservatórios de abastecimento, às enchentes, à destruição de infra-estrutura e ao empobrecimento agrícola de solos; a contaminação de águas superficiais e profundas (aqüíferos) estratégicas; os riscos de epidemias gravíssimas oriundas das atuais técnicas de produção pecuária intensiva; a poluição do ar em nossas metrópoles e suas decorrências para a saúde da população; o trágico avanço de expansões urbanas sobre regiões serranas, os graves problemas agronômicos, ambientais e sanitários associados à fronteira agrícola que tange a floresta amazônica, os riscos da escassez energética...
Nesse contexto, é por demais preocupante o número de jovens profissionais que estão a se formar, positivamente envolvidos com a questão ambiental, mas que estão apenas a se satisfazer com o proselitismo (sem dúvida necessário) das pregações ambientalistas e com a manifestação de justas denúncias frente aos descalabros ambientais que estão aí a se cometer por todos os lados; talvez imaginando que sua colaboração e responsabilidade se esgotariam na participação em organizações ambientalistas ou em órgãos vocacionados a ações de fiscalização ambiental. Mas, compreendam, não podem parar por aí. A pregação por um novo mundo ambientalmente sustentável é necessária, assim como o exercício da cidadania com ações de denúncia e fiscalização e seus desdobramentos, mas se nos satisfizermos somente com elas poderemos estar, paradoxalmente, colaborando com a insensatez e, ao limite, até inviabilizando a real possibilidade de um futuro melhor, tal será a gravidade de perdas ambientais e humanas irreparáveis que estão aí a acontecer hoje e agora. É imperativo trabalhar sob a ótica da solução. Conhecer os fenômenos, produzir soluções, propô-las e articular sua aplicação considerado o mundo real em que vivemos.
Para tanto, não há outra opção para nossos jovens profissionais, é preciso queimar pestanas e neurônios, mergulhar com disposição no aprofundamento científico e tecnológico, com método e persistência; menos eventos eloqüentes e mais horas solitárias de estudo e pesquisa, transformando-se em efetivos participantes da construção da base científico-tecnológica do país de seus sonhos; o que não deixa de ser supremamente gratificante.
Em outros termos, preocupando-se em produzir propostas técnicas práticas e viáveis de pronta aplicação. E alertados de que essa viabilidade muitas vezes tem que ser estendida também ao campo político, qual seja o campo das atuais relações entre os mais diversos agentes sociais e políticos que participam, com trunfos de poder e influência, de nossa sociedade. Nesse cenário, não serão poucas as vezes que as dificuldades políticas e administrativas em implementar as propostas produzidas serão equivalentes ou maiores que aquelas que tiveram que ser enfrentadas para, no campo da ciência e da tecnologia, produzi-las. E aí redobra-se a necessidade de bem administrar os atributos políticos da paciência, da persistência e, porque não, da habilidade de persuasão e negociação.
Nossos jovens estudantes, formandos e recém-formados estejam mais do que nunca certos da consistência de uma velha e surrada afirmação: o futuro deles depende. Poderá ser um futuro brilhante para a espécie humana, e mais especificamente em nosso caso, para a sociedade brasileira, mas também poderá ser um futuro triste e trágico. Como diria Guimarães Rosa, carece escolher.
Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br)
· Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT e Ex-Diretor da Divisão de Geologia
· Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Cubatão” e “Diálogos Geológicos”
· Consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente
· Criador da técnica Cal-Jet de proteção de solos contra a erosão