quarta-feira, 24 de junho de 2015

Escolhas Certas: o sistema prisional dos Estados Unidos parou de crescer

O sistema prisional dos Estados Unidos parou de crescer. Agora, é hora de tomar medidas concretas para fazê-lo encolher 

David Peace, um sujei­to de 35 anos nasci­do em Danas, nunca usou a internet. Também nunca fez uso de um telefone celular, nunca tirou carta de habilita­ção e nunca teve um emprego. Ne­gro, com um fisico robusto e um sor­riso largo, foi condenado em 1997 por lesão corporal qualificada, de­pois de usar uma faca numa briga com umvizinho. Os anos que a maio­ria dos homens de sua idade dedica­riam ao trabalho ou à constituição de uma família, Peace passou em di­versas penitenciárias do Texas. Em 2016 ele poderá deixar o estabeleci­mento penal de segurança mínima de Cleveland, cidade próxima a Houston, onde está preso atualmen­te. A perspectiva de enfrentar o mun­do do outro lado das grades ainda o intimida. "Tenho a sensação de ter sido deixado para trás", diz ele. "Vi­vi esses anos todos num lugar onde as escolhas eram feitas por mim e agora preciso aprender afazer as es­colhas certas."

Nenhum outro país mantém tan­ta gente presa quanto os EUA - ou adota penas de reclusão tão longas. Considerando-se o conjunto de pe­nitenciárias federais e estaduais, ca­deias locais e centros de detençãode imigrantes, há cerca de 2,3 mi­lhões de pessoas encarceradas no país. O sistema pune com especial rigor os negros e hispânicos, cujas taxas de detenção são, respectiva­mente, seis e duas vezes mais altas que a dos brancos. Um terço dos jo­vens negros do sexo masculino es­tão fadados a ver o sol nascer quadra­do em algum momento da vida. E o que não falta nas penitenciárias americanas são drogas, abusos e vio­lência. Apesar disso, o custo para o contribuinte é de cerca de US$ 34 mil por detento ao ano. O total da conta chega a aproximadamente US$ 8o bilhões.

Nem sempre foi assim. Em 1970, as penitenciárias federais e esta­duais dos EUA abrigavam, juntas, menos de 200 mil presos. Em 2013, último ano para o qual há dados dis­poníveis, só nas unidades federais -para onde vão apenas os condena­dos por crimes como tráfico interna­cional de drogas ou fraudes - havia mais de 200 mil detentos. Nas esta­duais, o número chegava a quase 1,4 milhão - e havia mais de 700 mil pessoas detidas em cadeias, algu­mas delas cumprindo penas de cur­ta duração, a maioria aguardando julgamento. A maior parte dos pre­sos é composta por homens mas, à razão de 113 por 100 mil, a taxa de detenção das mulheres negras supe­ra a taxa total da França e da Alema­nha. As condições nas penitenciá­rias em geral são ruins. O acesso a programas de capacitação, educa­ção ou reabilitação é restrito.

Por mais que a expansão do siste­ma por vezes tenha dado a impres­são de não poder ser interrompida, nos últimos cinco anos os números atingiram um platô. Em 2009, pela primeira vez desde a década de 70, a população prisional encolheu um pouco. Um dos motivos são as inicia­tivas de muitos Estados - em parti­cular os grandes, como Califórnia, Nova York e Texas - que, impelidos por restrições orçamentárias, têm tentado diminuir o número de en­carcerados. Modificações no código penal, promovidas por Eric Holder, procurador-geral de Barack Obama entre 2009 e 2015, talvez expliquem a discretíssima redução nos núme­ros das penitenciárias federais.

Percepção da violência. Outro mo­tivo para a estabilização da quanti­dade de gente atrás das grades é que a criminalidade vem caindo - e isso faz diminuir também o temor que as pessoas têm de serem vítimas de cri­minosos. Segundo levantamento realizado pelo Gallup, o percentual de americanos que se preocupa "muito" com a criminalidade e a vio­lência caiu drasticamente de 2001 para cá - ainda que neste ano tenha subido um pouco em relação a 2014. Isso facilita uma reforma. E generali­zada a crença de que os americanos sempre favorecem medidas que pa­reçam rigorosas e punitivas. Em novembro, porém, a maioria dos eleitores da Califórnia aprovou uma lei de inicia­tiva popular destinada a manter alguns infratores não violentos fora da prisão.

As coisas talvez sigam nesse rumo. De fato, a tendência pode e deve ser acelerada. O problema precisa ser cor­rigido. No entanto, mesmo com dispo­sição política para reformas e ventos favoráveis soprando na sociedade ame­ricana, uma queda substancial nos nú­meros é uma meta difícil de ser atingi­da. Esse sistema prisional agigantado se embrenhou no tecido social do país. Juízes, procuradores distritais, políti­cos que atuam no nível dos Estados ou dos Condados, forças policiais, sindi­catos de agentes penitenciários, agên­cias federais e empresas privadas que constroem e administram estabeleci­mentos penais, todos contribuíram pa­ra o avanço do encarceramento em massa - e muitos se beneficiam dele. Em cidades de determinadas áreas ru­rais, as prisões são atualmente a maior fonte de empregos.

Empurrados. O crescimento extraor­dinário da população prisional dos EUA começou com a "guerra às dro­gas" lançada por Richard Nixon. As pri­meiras leis estaduais vedando aos in­fratores condenados pelo envolvimen­to com drogas o benefício da liberdade condicional foram aprovadas em No­va York, em 1973, na gestão do governa­dor Nelson Rockefeller. Nos anos 8o, quando a Casa Branca era ocupada por Ronald Reagan, o governo federal, as­sim como diversos governos esta­duais, tentou reprimir o tráfico de crack com penas muito mais severas do que as aplicadas ao tráfico de cocaí­na, modificação que produziu acentuado viés racial nas condenações.

Entre 1980 e 1990, a proporção de criminosos primários condenados por algum tipo de envolvimento com dro­gas passou de 8% para quase 25%. A epidemia do crack forneceu as con­dições para a adoção generalizada de medidas mais punitivas. Proliferaram dispositivos determinando que na ter­ceira reincidência o indivíduo fosse obrigatoriamente encarcerado, ainda que estivesse sendo acusado de um de­lito menor, assim como leis limitando a concessão de liberdade condicional a, no máximo, 15% da pena. Em muitos casos, a aprovação desses mecanismos foi promovida por lobby de sindicatos de agentes penitenciários. O tempo de encarceramento aumentou muito. Se­gundo estudo da ONG Pew Charitable Trusts, os detentos que foram soltos em 2009 passaram, em média, três anos presos. Em 1990, eram dois anos, em média, atrás das grades.

Ainda no início da década de 9o, a criminalidade começou a cair. No ano de 2000, a queda já era bastante pro­nunciada. Na época, alguns chegaram a creditar o fenômeno à expansão da população prisional. Hoje, porém, pou­cos especialistas acham que isso tenha sido um fator de peso. É provável que nos anos 70 e 8o o endurecimento das leis tenha de fato tirado alguns indiví­duos violentos e perigosos das ruas. Mas um estudo abrangente do Bren­nan Centre for Justice, da New York University Law School, publicado em fevereiro deste ano, mostra que no má­ximo 12% da redução dos crimes con­tra o patrimônio observada na década de 90 pode ser atribuída ao aumento no número de indivíduos presos - e é possível que o efeito dessa variável te­nha sido nulo.

Algumas das medidas punitivas ado­tadas nos anos 90 parecem ter sido par­ticularmente ineficazes. Robert Nash Parker, criminologista da Universida­de da Califórnia, averiguou que o rit­mo de queda da criminalidade foi o mesmo tanto nos Estados que torna­ram obrigatório o encarceramento a partir da terceira reincidência quanto nos Estados que não incluíram esse mecanismo na legislação.

Insalubridade. A expansão do siste­ma prisional foi acompanhada de uma piora nas condições dos estabeleci­mentos penais. Como aumento no nú­mero de presos, os Estados começa­ram a conter os gastos do sistema. Em relatório de 2012 sobre as penitenciá­rias do Arizona, a Anistia Internacio­nal disse ter encontrado milhares de detentos confinados em celas sem ja­nelas, por períodos de 22 a 24 horas por dia, sem acesso a educação ou a qual­quer tipo de estímulo sensorial.

A maioria das penitenciárias do Te­xas não tem ar-condicionado, o que significa que no verão o índice de ca­lor, que considera tanto a temperatu­ra, quanto a umidade relativa do ar, pode chegar a 60°C. Houve também um escândalo envolvendo uma peni­tenciária feminina no Alabama, em que agentes penitenciários estupra­vam rotineiramente as detentas - e puniam com confinamento em solitárias ou ameaças de violência aquelas que reclamavam.

Os problemas com drogas que com frequência levam as pessoas para a ca­deia só raramente são tratados em seu interior. Em 2010, o National Centre on Addction and Substance Abuse veri­ficou que 65% dos presos apresenta­vam problemas de dependência quími­ca, para os quais só ii% recebiam al­gum tipo de tratamento.

Em muitos Estados, os detentos têm acesso extremamente limitado a cur­sos técnicos ou de nível superior. Uma lei promulgada por Bill Clinton em 1994, criando subsídios para a constru­ção de penitenciárias estaduais, tam­bém incluiu a proibição de que os pre­sos solicitassem bolsas governamen­tais para ajudá-los a obter um diploma universitário - decisão que reduziu drasticamente a oferta de programas educacionais no interior do sistema. Como o ex-presidente admitiu em en­trevista à CNN, em maio: "Acabamos (...) colocando um número tão grande de pessoas na prisão que não sobraram recursos para educá-las, para treiná-las num oficio a fim de que tenham mais chances de levar umavida produ­tiva quando saírem de lá". 

Reintegração. Contando os dias para o fim da pena que cumpre perto de Houston, Peace é um dos que estão ten­do essa chance, graças a uma iniciativa filantrópica. Ele participa do Prison Entrepreneurship Programme, graças ao qual conta com os conselhos e o acompanhamento entusiasmado de um grupo de voluntários abastados. Atividades de dança são, surpreenden­temente, muito frequentes. Assassi­nos tatuados dançam pelo salão com bem-vestidas executivas do ramo pe­trolífero. Quando sair da cadeia, Peace será auxiliado a encontrar um lugar pa­ra morar e um trabalho.

Para a maioria dos presos texanos, a experiência é bem diferente. Quando acabam de cumprir suas penas, eles ga­nham apenas uma passagem de ônibus e US$ loa. Quem sai em liberdade con­dicional recebe US$ 50. É a receita cer­ta para a reincidência. De acordo com levantamento realizado pelo Departa­mento de Justiça com indivíduos cum­prindo penas nas penitenciárias de 3o Estados, 77% dos que foram soltos em 2005estavam de novo atrás das grades antes de 2010. Mais de metade das de­tenções aconteceram antes que se completasse um ano da soltura.

A tarefa de começar uma vida nova é ainda mais dificultada por medidas que continuam a punir os criminosos muito tempo depois de eles terem cumprido as penas. Em vários Esta­dos, os indivíduos condenados por cri­mes mais graves não têm direito aos cupons de alimentação fornecidos pe­lo governo nem podem se inscrever em programas de moradia popular. Em determinadas atividades, uma con­denação pode impedir o exercício da profissão. Os detentos texanos têm a possibilidade de fazer cursos de bar­bearia na prisão, mas, dependendo do crime que cometeram, não podem ob­ter a licença exigida para exercer o ofi­cio de barbeiro.

Transformação. A necessidade de mudanças é evidente e a oportunidade é real. A indignação com as mortes de negros americanos nas mãos de poli­ciais fez com que fosse reavaliado o tratamento dispensado pelo restante do sistema judiciário a essa parcela da população. Em discurso proferido em abril, Hillary Clinton, provável candi­data democrata à presidência dos EUA, argumentou que "há algo de pro­fundamente errado se até hoje é muito maior a tendência de um homem afro­americano ser condenado a cumprir penas mais longas do que as impostas a indivíduos brancos". Mesmo junto aos republicanos há respaldo para a realiza­ção de algum tipo de reforma. No Sena­do, diversos legisladores republicanos estão entre os signatários de propos­tas suprapartidárias de reforma do sis­tema carcerário federal.

A guerra às drogas está sendo aban­donada. Em quatro Estados e em Wa­shington, a maconha foi legalizada. Em vários outros, sua posse foi descri­minalizada. Em 2004 e novamente em 2009, o Estado de Nova York refor­mou as leis sobre drogas do ex-gover­nador Rockfeller. Em 2010, os congres­sistas americanos aprovaram uma lei que reduziu a histórica disparidade de loo parai entre a quantidade de cocaí-na em pó e a quantidade de crack sujei¬tas a punição pela Justiça Federal.

John Whitmire, representante democrata no Senado estadual do Texas que é destacado defensor da reforma prisional, diz que seu Estado está finalmente aprendendo a "distinguir entre as pessoas de quem você tem medo e aquelas de quem tem raiva". Segundo o movimento Right on Crime, liderado por republicanos do Estado, a redução no número de detentos está em conformidade tanto com os ideais fiscais conservadores quanto com o princípio cristão do perdão. Rick Perry, que até janeiro foi governador do Texas e é um dos pré-candidatos do Partido Republica no à presidência, costuma se vangloriar de ter fechado três penitenciárias durante seu mandato.

Acontece que reduzir substancial-mente apopulação carcerárianão é tarefa simples. Restringira entrada no sistema de indivíduos condenados por crimes relativamente leves, sem uso de violência e sem caráter sexual - que corresponde a muito do que tem sido feito até agora - é politicamente palatável, mas tem impacto limitado. John Pfaff, da For-dham Law School de Nova York, observa que já faz algum tempo que esse tipo de criminoso representa um percentual decrescente da população das prisões.

Os infratores violentos constituem aproximadamente metade de todos os detentos recolhidos em penitenciárias estaduais e federais. Os condenados por crimes sexuais são 12%. Nos estabe­lecimentos penais estaduais há 165 mil assassinos e 16o mil estupradores. Ain­da que todos os outros presos fossem soltos, a taxa de encarceramento dos EUA continuaria a ser mais alta que a da Alemanha e, com o passar do tempo, é quase certo que esse padrão se acen­tuará. Até os traficantes costumam ter penas relativamente curtas, enquanto criminos os violentos permanecem por décadas atrás das grades. Além disso, entre os americanos, é pequena a dispo­sição para soltá-los antes de terem cum­prido todos os anos de encarceramen­to a que foram condenados, mesmo quando envelhecem e se tornam me­nos agressivos na prisão.

Outro problema é que as pessoas que administram o sistema têm incentivos significativos para manter as coisas co­mo estão. "Se não fosse pelos procura­dores distritais, já teríamos aprovado muito mais leis", diz Ana Yffiez-Cor­rea, presidente do Texas Criminal Jus­tice Coalition, grupo de pressão que defende a reforma prisional. Em virtu­de da enorme reação negativa a ser en­frentada caso um crime abominável se­ja cometido por alguém que poderia estar, ou que chegou a estar, atrás das grades, os procuradores eleitos - e os juízes - são fortemente incentivados a pecar pelo excesso de severidade ao fixar a pena. Pfaffvê a ação de um "rat­chet effect" - quando uma tendência se mantém de forma incremental a ponto de parecer irreversível - ao lon­go do tempo, com os procuradores pe­dindo a aplicação de penas cada vez mais rigorosas. As penitenciárias priva­das - que oferecem apenas 8% das va­gas do sistema, mas vêm crescendo em ritmo acelerado - também têm interes­se emver essas vagas sempre preenchi­das. Muitas empresas que adminis­tram penitenciárias exigem a inclusão de cláusulas nos contratos garantindo uma ocupação mínima.

Por essas e outras razões, as tentati­vas de reduzir ou conter o crescimento da população prisional nas penitenciá­rias estaduais tiveram sucesso apenas parcial. No Texas, por exemplo, o nú­mero de detentos não caiu muito de 2oo7 para cá. Em metade dos Estados, o contingente de pessoas atrás das gra­des continuou a crescer entre 2009 e 2013, ainda que em nível nacional te­nha havido uma retração.

Exemplos. As experiências de dois Es­tados grandes, Califórnia e NovaYork, foram suficientemente bem-sucedi­das para indicar que os outros pode­riam fazer melhor. Na Califórnia, des­de 2006 observa-se uma redução no número de presos, como sistema regis­trando um decréscimo de si mil indiví­duos atrás das grades - ou mais de 3o% do total. A população carcerária de Nova York, que vem diminuindo desde 1999, é hoje 25% menor do que era. Em ambos os Estados, as refor­mas que tiveram efeitos positivos não envolveram mudanças legislativas, mas ajustes na maneira como o siste­ma como um todo, da detenção à soltu­ra, está organizado.

Na Califórnia, a redução foi em gran­de medida consequência de uma medi­da de "realinhamento", adotada de­pois de a Suprema Corte do país con­cluir que as penitenciárias do Estado estavam perigosamente superlotadas e o governo teria de construir novos estabelecimentos penais ou soltar par­te dos presos. A solução encontrada foi repassar para os condados - nível da administração pública efetivamente encarregado de acusar as pessoas e mandá-las para a cadeia - os custos coma manutenção de criminosos com­parativamente inofensivos atrás das grades. Além disso, os departamentos dos condados que supervisionam os in­divíduos postos em liberdade condicio­nal assumiram a responsabilidade de incluir em seus programas 6o mil pes­soas que deixaram as penitenciárias es­taduais.

Foco no pior. A medida parece ter rea­linhado os incentivos de forma produti­va. Ainda que aproximadamente um ter­ço dos presos soltos tenhavoltado para a cadeia, dois terços não voltaram. O Estado agora pretende fazer novos avanços. Uma medida aprovada em ple­biscito por ampla maioria dos eleitores no ano passado, que muda para a catego­ria de delitos leves uma série de crimes antes passíveis de detenção, deve redu­zir ainda mais o número de detentos.

Em Nova York, o ajuste do sistema foi obraprincipalmente dos procurado­res da cidade de NovaYork, que passa­ram a tomar mais cuidado ao pedir a definição de penas mais severas para os criminosos. Cy Vance, procurador dis­trital de Manhattan, é adepto do que ele chama de "acusação respaldada por informações de inteligência". Sob sua coordenação, uma Unidade de Estraté­gias Criminais coleta dados sobre os infratores mais reincidentes. Esses da­dos, mesmo quando não dizem respei­to ao crime que está sendo julgado, ser­vem para orientar a atuação dos procu­radores.

"Se eu sei de alguém que já se envol­veu em tiroteios ou outros episódios violentos e esse sujeito é detido por furto de mercadorias numa loja, o que eu faço é montar a minha acusação da forma mais agressiva possível", diz Vance.

A estratégia se pauta pelo raciocínio de que a maioria dos infratores leva­dos ajulgamento é razoavelmente ino­fensiva. Mesmo nas áreas mais violen­tas, é sobre um número muito reduzi­do de criminosos - com frequência, bastante eficientes na intimidação de testemunhas - que recaia responsabili­dade pelos crimes mais graves. Se a esse segundo grupo são reservadas as penas mais severas, ao passo que o pri­meiro grupo é tratado com mais leniên­cia, é possível reduzir tanto a popula­ção carcerária quanto a taxa de crimi­nalidade. O segredo é usar o código penal com inteligência.

Além disso, parte dos recursos que seriam gastos com a atuação dos procu­radores pode ser canalizado para a pre­venção ao crime. Num ginásio esporti­vo situado numa área relativamente pobre do Harlem, alguns adolescentes têm aulas de basquete com treinado­res profissionais - todos eles sob olha­res atentos de policiais e membros da equipe de Vance. Sessões como essa acontecem todos os fins de semana em dez pontos de Manhattan.

Numa cidade onde a política de tole­rância zero da polícia faz com que mui­tos jovens negros olhassem com des­confiança para qualquer pessoa farda­da, os rapazes em quadra parecem con­fortáveis com a presença dos procura­dores e policiais. A esperança é de que, construindo uma relação de confian­ça, os procuradores consigam se man­ter a par de conflitos entre gangues de adolescentes antes que elas descam­bem para a violência.

Se os americanos desejam que as prisões deixem de ser um elemento tão presente navida do país, é preci­so disseminar a filosofia que está por trás dessas iniciativas. Reformaspoliciais, como as implementadas nos anos 90 em Los Angeles e na ci­dade de Nova York - que tinham por objetivo prevenir crimes, assim co­mo reagir a eles -, foram um dos ele­mentos que tornaram os Estados Unidos menos violentos. Mas o res­tante do sistema judiciário e crimi­nal só muito aos poucos vem incor­porando a ideia de que é preciso ser proativo. Concebido para reagir ao crime e puni-lo, o sistema precisa, antes de mais nada, contribuir com sua prevenção. Isso demanda uma ampla mudança cultural, não ape­nas aprimoramentos legislativos.

No pavilhão em que está detido, Peace se queixa de que durante a maior parte do tempo que passou na cadeia jamais foi tratado como al­guém que tinha um problema, mas sim como se fosse, ele próprio, o pro­blema. Ele fez cursos de encanador e soldador - ambos pagos por sua mãe - e obteve certificados para exercer os dois ofícios. Sua esperança é que, uma vez solto, nunca mais volte para trás das grades. Se a América é a ter­ra dos homens livres, o país terá de aprender a perdoar muito mais ho­mens como ele.
Matéria publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo. Edição 21/06/2015.

TRADUÇÃO DE
ALEXANDRE HUBNER
THE ECONOMIST, PUBLICADO SOB LICENÇA. O ARTIGO ORIGINAL,
EM INGLÊS, PODE SER ENCONTRADO EM WWW.THEECONOMIST.COM


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