Num clima de protesto, repressão e censura por parte da segurança da Câmara, especialista, parlamentares e representantes da sociedade civil discutiram nesta terça-feira (9) o projeto de lei (PL 4567/16) do senador entreguista e ministro golpista das Relações Exteriores, José Serra (PSDB), que retira da Petrobras o controle das jazidas das camadas pré-sal. A proposta foi duramente combatida e repudiada durante Comissão Geral proposta pelo deputado Carlos Zarattini (PT-SP). “A questão do petróleo é uma questão nacional, é uma questão de soberania nacional”, observou o parlamentar.
“Não existe país soberano se não detiver fontes de energia. Se o Brasil abrir mão das suas fontes de energia, perderá sua soberania, perderá a sua força. E é por isso que nós lutamos, desde a época da campanha o ‘Petróleo É Nosso’, para que o nosso País tivesse uma empresa forte, tivesse o controle das jazidas de petróleo”, salientou o deputado, que ainda destacou a importância da Comissão Geral num momento em que a Câmara está prestes a votar a proposta entreguista do senador Serra.
“Esta Comissão Geral tem uma grande importância. Aqui, nós podemos dar visibilidade maior a esta questão, que é uma questão tão importante para o Brasil. Muitas vezes, ela fica escamoteada. Muitas vezes, ela não se levanta com toda a energia necessária”, criticou o parlamentar, que ainda alertou que esse projeto, na verdade, é o início do desmonte de toda a legislação do chamado sistema de partilha aprovada em 2010.
Para Zarattini, se o governo interino e golpista de Michel Temer abrir a exploração dos campos do pré-sal para petrolíferas internacionais, significa que a Petrobras não exercerá essa opção e, segundo ele, esse cenário apresenta duas graves consequências.
“Em primeiro lugar, ela (Petrobras) perderá, paulatinamente, o controle, o conhecimento dos campos do pré-sal que é feito ao fazer essa exploração. Em segundo lugar, ela deixará de renovar os seus campos, ou seja, na medida em que os campos antigos começarem a se esgotar e não entrarem campos novos, ela vai perdendo a sua capacidade de produção”, alertou Zarattini que ainda acrescentou que essa perda de capacidade faz com que a maior empresa nacional do país deixa de ter a importância que ela deveria ter em todos os momentos na exploração do petróleo.
“O que faz com que uma empresa de petróleo seja importante, são exatamente os campos de petróleo que ela detém. À medida em que ela perde esses campos de petróleo, ela perde a sua importância”, salientou Zarattini, que também exerce a função de vice-líder da Minoria da Câmara.
Ao discursar na sessão, o líder da Bancada do PT na Câmara, deputado Afonso Florence (BA), chamou a atenção para os interesses distintos dos Estados Unidos, das petrolíferas privadas multinacionais. “A posição da bancada do Partido dos Trabalhadores é límpida. Defenderemos o projeto nacional, obstruiremos, votaremos contra, assim como fez o Líder André Figueiredo. Sabemos que o PDT, o PCdoB, o PSOL e muitos parlamentares da base do Governo não embarcarão nessa”, observou Afonso Florence. “Nós estamos com uma expectativa de que vamos derrotar esse projeto aqui no plenário da Câmara dos Deputados, mas a mobilização popular é fundamental”, frisou.
Conforme apontou Florence, aqueles que defendem o PL 4567 estão, na verdade, transferindo recursos do pré-sal – que seriam alocados na saúde e educação do povo brasileiro – para as mãos das multinacionais do petróleo.
“Companheiros e companheiras do movimento popular e sindical, vamos obstruir e vamos derrotar aqui, no plenário da Câmara dos Deputados, esse projeto famigerado, entreguista, golpista, que quer retomar a privatização do petróleo brasileiro”, assegurou o líder da bancada petista.
Cenário internacional – Em sua fala, o ex-presidente da Petrobras Sérgio Gabrielli chamou a atenção para a visão que domina o cenário internacional. Segundo ele, a unanimidade gira em torno de que haverá uma redução da proporção do petróleo na matriz energética mundial. No entanto, Gabrilli acredita que essa redução é relativamente pequena.
“Dos 36% da fonte primária de energia de hoje para alguma coisa em torno de 30%, 31% de um volume maior, o que significa que se vai precisar de mais barris de petróleo no futuro do que hoje. Portanto, é uma ilusão pensar que vai haver, nos próximos 40, 50 anos, um abandono do petróleo pela utilização de outras fontes energéticas”, esclareceu.
De acordo com o ex-presidente da Petrobras, essa é a sinalização que o Brasil precisa para pensar o que os países importadores de petróleo pensam sobre o pré-sal brasileiro. Ele citou como exemplo, a reinversão da situação dos fluxos dos Estados Unidos com o Brasil. Nos últimos anos, disse Gabrielli, o Brasil passou a ser importador líquido de petróleo em relação aos Estados Unidos.
“Os Estados Unidos estão exportando mais derivados para nós e estão importando cada vez menos petróleo. Portanto, eles estão se tornando um país quase autônomo e quase autossuficiente na produção de petróleo, que é um grande mercado consumidor. A China vai continuar importando, a Índia vai continuar importando petróleo”, explicou.
Gabrilli disse ainda que a expansão da produção americana até 2020 está mais ou menos garantida. Mas, segundo ele, a partir de 2020, essa produção vai cair, e os Estados Unidos vão buscar novas fontes.
“Então, nesse sentido, tirar a Petrobras da operação única, abrir e acelerar os leilões do pré-sal, abrindo a exploração brasileira para as empresas internacionais, atende muito mais aos interesses estratégicos dos Estados Unidos, de médio e longo prazo, do que aos interesses estratégicos brasileiros” ressaltou Gabrielli.
“Esse é um projeto, a meu ver, equivocado e que está utilizando uma situação de curto prazo da Petrobras e ameaçando o longo prazo do Brasil”, completou.
Base energética – O ex-diretor de Exploração e Produção da Petrobras Guilherme Estrella afirmou em seu pronunciamento que o pré-sal, na realidade, veio completar a base energética que o Brasil precisa para se desenvolver autonomamente. “Nisso, a operação única da Petrobras é um fator preponderante”, avaliou.
“As empresas estrangeiras representam interesses de seus Países sedes. Isso é inegável! Uma vez, nos Estados Unidos, em Rochester, eu fui procurado por um diretor de exploração de uma das maiores empresas do mundo, e disse: Sr. Estrella, eu estou representando a minha empresa e o meu País. Queremos participar do pré-sal do Brasil”, contou o ex-diretor da Petrobras.
“Então, as empresas estrangeiras representam os interesses, como tem que ser mesmo, é natural que elas representem os interesses de seu país. E o pré-sal dá ao Brasil um protagonismo na cena geopolítica mundial que se contrapõe aos grandes países hegemônicos, principalmente no mundo Ocidental”, alertou Estrella.
Geopolítica – O Professor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (USP) Ildo Luis Sauer classificou de “abismal” e “paradoxal” o distanciamento entre o que está sendo discutido e o que é a realidade mundial.
Hoje, segundo ele, o mundo se concentra num grande embate geopolítico. De um lado, explica o professor, está claramente a OSD comandada pelos Estados Unidos, secundada pela China. De outro lado, os países da OPEP, secundados pela Rússia, lado em que ele acredita que Brasil deveria estar.
“Por que o preço do petróleo foi capaz de subir em 2005 até agora? Porque o presidente Chaves (ex-presidente da Venezuela), com os líderes do Oriente Médio, especialmente Arábia Saudita, foi capaz de articular o controle sobre o ritmo de produção. Se não controlarmos o ritmo de produção, exauriremos nossos recursos a preço de banana”, profetizou.
Ildo Sauer ainda defendeu que o petróleo não deve ser visto como commodities. Ele explicou, que após o processo de descolonização, o primeiro grande embate dos países detentores de recursos foi exatamente a busca por controle. “Na década de 60, mais de 80% dos recursos estavam nas mãos das multinacionais do petróleo. Hoje isto está em menos de 10%”, informou.
“Por isso, o centro do debate que temos aqui é geopolítico. Se o Brasil de fato quer fazer valer o seu passaporte para o futuro com o pré-sal, tem que compreender que o controle sobre o ritmo de produção do petróleo é uma questão de Estado, é uma questão de País”, arrematou Ildo Sauer.
Benildes Rodrigues / Fotos: Gustavo Bezerra