Publicado em 13 de outubro de 2011 por Juliana Machado
Excluir os usuários de drogas do espaço público é péssima política de saúde. Mas faz bem aos bolsos dos especuladores imobiliários
O crack não atinge indivíduos ao sabor do destino, como fatalidade ou epidemia. Há uma questão social precedente, que tem como efeito, entre outros, a dependência química. A região estigmatizada como “cracolândia” em São Paulo – onde o consumo da substância se faz publicamente – é também um local de concentração da miséria social, fundada na ausência de acesso às condições mínimas de cidadania: alimentação, moradia, educação, emprego, saúde, cultura, transporte etc.
O uso de drogas motiva apenas 12,4% das crianças a deixarem suas casas. Tal processo tem início, principalmente, no abandono familiar, abuso e exploração sexual, conforme pesquisa de campo do Projeto Quixote, trabalho realizado na região da “cracolândia”, que você pode acessar aqui. O medo instaurado pelo discurso do crack como “epidemia” pode ocultar estes fatores essenciais e justificar medidas violentas, autoritárias e higienistas.
Os interesses que orientam o projeto de internação compulsória vão além de uma política de drogas. Em São Paulo, a “cracolândia” é alvo de um projeto municipal chamado Nova Luz, concessão urbanística delimitada no perímetro das avenidas Mauá, Cásper Líbero, São João, Rio Branco e Duque de Caxias. Criado pela Prefeitura da Cidade de São Paulo por meio da Secretaria Municipal de Planejamento Urbano, e posto em prática desde o ano de 2005 com a ação conjunta da Empresa Municipal de Urbanização (Emurb), do Poder Legislativo e da subprefeitura da Sé, envolve também instituições como a Guarda Civil Metropolitana.
O Nova Luz visa “revitalizar” o bairro e torná-lo atraente para investidores, promovendo seu embelezamento e reurbanização e consequente aumento do valor imobiliário, favorecendo a especulação imobiliária e sua ocupação pelas classes média e alta. Consequentemente, promove-se a gentrificação (1) e limpeza social no centro da cidade. A política de internação compulsória, juntamente com projetos urbanísticos que prometem devolver a vida àquela região (como se vida ali não houvesse), parecem ser orientados pelas mesmas diretrizes: afastar o lado “feio” e “pobre” da cidade.
O deslocamento do problema para instituições de caráter manicomial, na contramão do que determinam a Reforma Psiquiátrica e o SUS, além de não enfrentar a questão, camufla desvios para atender interesses alheios à sociedade. Na lógica mercantil de produção do espaço urbano, vale mais apresentar uma boa imagem da cidade “limpa” do que respeitar os habitantes e investir na sua saúde e autonomia. A luta antimanicomial terá que somar forças à resistência urbana contra um projeto de cidade que se quer impor.
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(1) Chama-se gentrificação a um conjunto de processos de transformação do espaço urbano que ocorre, com ou sem intervenção governamental, nas mais variadas cidades do mundo. O enobrecimento urbano, ou gentrification, diz respeito à expulsão de moradores tradicionais, que pertencem a classes sociais menos favorecidas, de espaços urbanos e que subitamente sofrem uma intervenção urbana que provoca sua valorização imobiliária.
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