domingo, 3 de abril de 2011

Em defesa do BC - Paulo Nogueira Batista Jr.

Para a Helena

Permita-me leitor(a) começar com algumas observações de caráter estritamente pessoal. Não sei se você acompanha meus artigos e comentários. Se o faz, haverá de ter se espantado com o título acima. Da minha parte, a direção do Banco Central tem sido alvo de críticas constantes, não raro severas, nos últimos 15 anos, no mínimo.
 
Mudei? Dizem os meus detratores que sim. Brasileiro, alertava Nelson Rodrigues, não pode viajar ? já a caminho do aeroporto começa a se descaracterizar. Em 2007, quando fui indicado para integrar a diretoria do FMI, alguns amigos fizeram apostas: quanto tempo levaria para que eu começasse a defender um aumento do superávit primário? Os mais otimistas previam dois anos.

Bem. Passaram-se quatro anos e posso dizer, sem vacilar: não mudei. No fundamental, continuo exatamente igual. Nem sei se isso é realmente positivo. A coerência é a virtude dos que não têm imaginação, dizia Oscar Wilde.

Enfim, o fato é que continuo avesso à sabedoria econômica convencional. E continuo crítico do próprio Fundo ? todo santo dia luto aqui no FMI para tentar tornar a instituição um pouco menos desequilibrada, um pouco mais arejada e representativa. Tanto que ? sem exagero ? estou sendo caçado a pauladas, feito ratazana prenhe, como diria Nelson Rodrigues (outra vez essa figura fatal!). O que os meus adversários não sabem é que, sendo 50% cearense, este brasileiro agüenta muita coisa ? e reage mal a tentativas de intimidação.

Mas estou me desviando do tema. Eis o que queria dizer: quem mudou, para melhor, foi o Banco Central. O processo começou no segundo mandato do presidente Lula e se intensificou com a nomeação do economista Alexandre Tombini para a presidência do Banco Central.

Na última semana, aconteceu o seguinte: alguns destacados integrantes da famigerada turma da bufunfa fizeram muitos reparos, às vezes enfáticos, à política do Banco Central. Bom sinal, bom sinal! Alguns avaliam que o Banco Central desistiu de enfrentar com firmeza a inflação. Outros, mais exaltados, vêem uma perigosa tendência à "heterodoxia" na condução da política monetária.

O motivo dessas críticas é o reconhecimento pelo Banco Central de que não será possível reduzir a inflação para o centro da meta (4,5%) já em 2011, mas apenas em 2012. Analistas de mercado concluem, decepcionados, que o aumento da taxa de juro será muito menor do que o esperado ? e talvez nem ocorra.

Espero que a conclusão deles esteja certa. O lamento, entretanto, não tem o menor cabimento. A inflação é um fenômeno mundial, como lembrou Alexandre Tombini. Grande parte dos países, sobretudo as economias emergentes e em desenvolvimento enfrentam pressões inflacionárias, em muitos casos piores do que as que se observam no Brasil. O Banco Central já aumentou bastante a taxa básica de juro no passado recente e tomou diversas medidas de restrição ao crédito. Em paralelo, o Ministério da Fazenda está executando o ajuste fiscal anunciado e baixou várias medidas de tributação da entrada de capitais externos, inclusive na semana passada.

A opção por um choque de juros seria aplaudida pelos que querem convergência rápida para o centro da meta de inflação, mas traria custos imensos. Por exemplo: aumentaria o componente financeiro do déficit público, que já está bastante pressionado pela alta recente da taxa básica de juro. Aumentaria o custo de carregamento das reservas internacionais. E, além de desajustar as contas do governo, um choque de juros provocaria provavelmente valorização adicional do real.

Ora, a moeda brasileira já está muito sobrevalorizada. É uma das mais fortes do planeta! Isso prejudica as contas externas e solapa a competitividade internacional da indústria e diversos outros setores da economia. Com um aumento adicional do diferencial de juros entre o Brasil e o resto do mundo, ficaria difícil, talvez impossível, conter a alta do real.

Por esses e outros motivos, a política de juros tem que ser conduzida com moderação e em coordenação com as políticas de crédito e fiscal. É o que parece estar acontecendo.



PS: Este artigo é dedicado à minha primeira neta que, embora nada tenha a ver com o Banco Central, acaba de nascer e merece ser homenageada.


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. é economista e diretor-executivo pelo Brasil e mais oito países no Fundo Monetário Internacional, mas expressa os seus pontos de vista em caráter pessoal.



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