domingo, 5 de junho de 2011

Programa Brasil sem Miséria e o caso Palocci

por Marcos Coimbra, no Correio Braziliense
 

Ministros em apuros são mais a regra que a exceção em nossa experiência recente. Se alguém se desse ao trabalho de calcular quantos dias passamos, nos últimos 20 anos, sem que pelo menos um estivesse complicado, veríamos que não foram muitos.
 
O que é realmente importante na informação que recebemos todo dia sobre o sistema político? E o que é secundário, referindo-se a coisas que não duram muito e apenas parecem ter maiores consequências?

Neste momento, por exemplo, o noticiário sobre a crise causada pelos problemas de Antonio Palocci domina os meios de comunicação. Ela é importante?

Certamente sim, pois qualquer dificuldade que afete um ministro central no governo é relevante. Ainda mais se for alguém como ele, que foi, nos primeiros meses, quase um primeiro ministro.

Embora a crise seja, de fato, significativa, ela está longe de ser tudo que acontece no governo. E nem é tão original assim. Ministros em apuros são mais a regra que a exceção em nossa experiência recente. Se alguém se desse ao trabalho de calcular quantos dias passamos, nos últimos 20 anos, sem que pelo menos um estivesse complicado, veríamos que não foram muitos.

O próprio Palocci já viveu essa história. No fim do primeiro governo Lula, quando ocorreu o caso Francenildo, ele não era tão menos que agora. Como ministro da Fazenda que contava com apoio unânime do empresariado e da mídia, e depois que vários de seus colegas tinham tombado vítimas do mensalão, achava-se que Lula dependia dele para sobreviver. Pois bem, Palocci saiu, Lula ganhou a eleição e foi adiante para se confirmar como a maior liderança de nossa história (goste-se ou não dele).

Palocci pode estar vivendo, de novo, um inferno astral, mas isso não é fundamental. No médio e, especialmente, no longo prazo, sua permanência ou saída são secundárias. Como foram as de antecessores seus em governos passados. Ministros são parecidos a outras pessoas insubstituíveis, das quais, como diz o ditado, os cemitérios estão cheios.

As coisas que realmente importam são outras. Como o lançamento do programa Brasil sem Miséria, que ocorreu enquanto olhávamos para a “crise”.
 
Se medirmos a centimetragem a ele dedicada pelos nosso maiores veículos ou o tempo nos telejornais de maior audiência, ficaríamos com a impressão que é um assunto quase insignificante. Pelo espaço e a atenção que recebeu, que o novo programa é apenas mais um na rotina da burocracia.

Na verdade, um pouco pior que isso. O tom da cobertura foi claramente negativo, com insinuações de que era uma manobra para desviar a atenção da opinião pública do que seria realmente importante, a “crise”.

Como se fosse sequer possível inventar um programa da complexidade do Brasil sem Miséria na última hora. Como se não tivesse exigido meses de estudos e formulações preliminares. Como se seu lançamento não estivesse anunciado há muito tempo e não ocorresse no prazo estipulado antes da eclosão da “crise do Palocci”.

O programa passou a ser visto como uma pirotecnia algo ingênua. Foi reduzido a uma manobra, no fundo, inútil, pois incapaz de produzir suas “verdadeiras intenções”.

Tudo nele passou a ser enxergado a partir desse prisma. Até a cerimônia inicial. O número de convidados, a solenidade, os discursos, cada detalhe foi interpretado como parte de um “estratagema” diversionista. O que pensavam? Que Dilma lançaria um programa desse porte às escondidas? Que ele não era suficientemente importante para justificar o evento?

É possível que nossa imprensa ache que faz “bom jornalismo” quando ignora, coloca sob suspeita ou trata como irrelevante um programa como o Brasil sem Miséria. Que o certo é deixar tudo de lado e manter-se focada na “crise do Palocci”.

O curioso é que, ao comentá-lo, não se afirmou que era inviável, fantasioso ou irrelevante. Ninguém argumentou contra suas propostas concretas. Não foram questionadas suas metas ou estratégias.

Parece, portanto, que ela não discorda do programa. E não vê razões para duvidar que o governo tenha capacidade de executá-lo.

Apenas acha que é pouco importante, pelo menos em comparação com a “crise”. Será que é? Será que um programa destinado a solucionar, em quatro anos, o mais grave problema do Brasil pode mesmo ser considerado irrelevante? Para os 16 milhões de beneficiários, pode ser tudo, menos desimportante.



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