segunda-feira, 1 de outubro de 2012

SP ignora Plano Diretor, faz do trânsito problema geral e perde oportunidades


São Paulo – No Terminal Grajaú, que integra ônibus com trens da linha 9 – Esmeralda da CPTM, no extremo sul de São Paulo, a assistente de recursos humanos Daniela Nascimento, de 22 anos, espera sua vez na quarta fila da linha que vai para Vargem Grande, na região de Parelheiros. “Após um dia de trabalho não dá pra fazer um trajeto de uma hora em pé, depois de já ter pego o trem. Apesar da demora prefiro esperar para ir sentada”, diz. Daniela sai às 17h30 da avenida Luís Carlos Berrini, na parte mais valorizada da zona sul, e costuma chegar em casa duas horas e meia depois. 
Na ida para o trabalho, a coordenadora de limpeza Marilene da Conceição, de 45 anos, prefere percorrer a pé o trajeto de um quilômetro e meio que separa o Jardim São Bernardo do Terminal Grajaú a esperar um ônibus em que consiga entrar. Como a volta para casa é mais pesada que a ida ao trabalho, em virtude do cansaço, ela não volta a pé. Marilene precisou interromper a entrevista para pegar o ônibus que a deixaria em casa, após 35 minutos de espera, e quase não conseguiu entrar e foi embora prensada na porta dianteira.


O “desrespeito mais escandaloso” ao Plano Diretor Estratégico (PDE) da cidade, que completou 10 anos na última semana, é, segundo especialistas, a questão do transporte. Por ser estruturante na cidade e ter impactos em outras áreas, como a qualidade de vida, a saúde e a impermeabilização do solo, o estímulo ao modelo atual, baseado no transporte individual, coloca a cidade em cheque.Além da escassez de veículos para atender Daniela e Marilene o excesso de carros em todos o trajetos das duas mulheres produz o caos relatado por elas. 

O PDE propõe a priorização do transporte coletivo e dos meios de locomoção não motorizados, mas, ainda assim, vias que vetam a presença de ônibus e pedestres continuam consumindo recursos públicos. Enquanto isso, a construção e melhoria de corredores exclusivos para ônibus estão paradas. A gestão de Gilberto Kassab (PSD) se comprometeu a fazer 66 quilômetros de corredores para coletivos na cidade, mas nenhum dos projetos passou da fase de edital. Já a construção de ciclovias e ciclofaixas já consta como cumprida e superada, no entanto, usuários de bicicleta ainda sofrem desrespeitos no trânsito. 
“Saio de casa às 5h. Pedalo uns 25 minutos até chegar ao Terminal Grajaú. Em uns lugares a calçada é boa e dá pra ir por elas. É melhor andar nelas, porque ainda está escuro e os motoristas não respeitam”, relata o cozinheiro Vanderlei dos Santos, de 25 anos, que pedala seis quilômetros antes de deixar sua magrela estacionada no bicicletário do terminal de ônibus. De lá, ele ainda leva 1 hora e meia até chegar a seu trabalho, na avenida Paulista. “O vale-transporte que recebo não é suficiente para pagar a integração entre ônibus e trem. Além disso, dependendo do trânsito, faço o trajeto mais rápido com a bicicleta. É cansativo, eu trabalho o dia todo em pé, mas a gente acostuma. E é um exercício. A gente trabalha tanto que nem tem tempo de fazer nada”, explica.
No PDE também está prevista a elaboração de um Plano Municipal de Mobilidade, mas até hoje ele não saiu do papel. Segundo a organização não governamental Nossa São Paulo, em 2010 a prefeitura chegou a reservar R$ 15 milhões para a elaboração do plano, mas o dinheiro não foi usado. “Nós insistimos muito na necessidade de a cidade ter um planejamento de curto, médio e longo prazo. Incentivar o transporte coletivo, as bicicletas. Tudo isso foi colocado, inclusive na eleição passada e, infelizmente, essa gestão passou inteirinha sem se comprometer com o planejamento”, aponta Maurício Broinizi, do grupo de trabalho sobre mobilidade da ONG. “A gente precisa de uma revolução na mobilidade no transporte em São Paulo. Para isso precisa enfrentar interesses. Precisa fazer intervenções no sistema viário da cidade, que é ocupado 95% por automóveis. É preciso tirar o espaço dos carros para colocar ônibus e bicicletas circulando. Tudo isso precisa de um estudo profundo, de investimento de planejamento e passamos quatro anos com a recusa da prefeitura em fazer”, completa. 
Enquanto isso, os paulistanos gastam em média 2 horas e meia para se deslocar diariamente. E um quarto da população da cidade chega a precisar de 4 horas para se locomover entre diversos compromissos todos os dias, segundo pesquisa realizada pelo Ibope em parceria com a Nossa São Paulo. 
Como a costureira Lurdes Alves Duarte, que sai de sua casa às 4h e leva três horas e meia entre sua casa, em Parelheiros, no extremo sul da cidade, e o Bom Retiro, no centro. Em função disso apenas “toma banho, come e dorme” quando chega em casa, onde mora com o marido e um filho de 16 anos. Ela conta que nos fins de semana usa uma moto para fazer o trajeto para o trabalho. Com isso, poupa quase duas horas na ida e outras duas na volta. 
 “Mas não dá para ir durante a semana porque os carros querem comer as motos. Tem muito acidente”,
A avenida é uma das apontadas pelo Plano Diretor para passar por intervenções. Algumas obras foram feitas, mas na maioria do trajeto a avenida ainda é estreita, o que causa pontos de engarrafamento. A zona sul da cidade é, segundo estudo da Nossa São Paulo, a região onde as pessoas levam mais tempo para se locomover, cerca de 2 horas e 40. “O que adianta ter carro nesse trânsito aqui? Eu ia ficar parada do mesmo jeito. A única      coisa que ia dar jeito é uma moto”, diz Guilherme Lima de Souza, de 30 anos, apontando para a confusão de ônibus, carros e vans na avenida Belmira Marin, principal acesso a bairros afastados do distrito do Grajaú – e onde ele gasta cerca de 40 minutos para percorrer 4 quilômetros da avenida até sua casa, no Jardim Prainha. 

Problema não é exclusividade

Mas os problemas de locomoção na cidade não são exclusividade das regiões afastadas do centro. A estudante de Direito Maria das Dores Alencar, de 19 anos, sai de Guaianases, na zona leste da cidade, para o centro, onde estuda. Depois, para se deslocar para o trabalho, utiliza a linha de trólebus que vai da rua Machado de Assis, próxima ao metrô Ana Rosa, para a rua Cardoso de Almeida, na região do Pacaembu. A estudante reclama da demora para o ônibus passar, que chega a uma hora. “Em Guaianases os ônibus são bem lotados e aqui, não. Mas a dificuldade maior é com a demora aqui no centro. Várias vezes vi pessoas idosas, na região do Pacaembu, desistirem de esperar e pegar táxi”, diz a estudante.
Para Maria das Dores existe uma lógica na demora dos ônibus que percorrem regiões de classe alta. “Acho que tem a ver com a localização das pessoas, com a ideia de que quem está aqui tem condições de utilizar carro e não necessita de transporte público”, diz. No entanto, a estudante não exita quando a questão é a mobilidade na cidade. “Pretendo me mudar para o centro tão logo eu possa, porque é muito complicado e cansativo ir da zona leste para qualquer outra região da cidade”, conclui.
A mesma sensação é relatada por outros usuários da linha, que passa por bairros nobres da cidade. O resumo é a predominância da lógica do carro sobre o transporte coletivo. Dessa forma, mesmo com o centro concentrando a maior fatia da malha viária, cicloviária, ferroviária e metroviária, a falta da qualidade do serviço de transporte coletivo não tem capacidade de atrair milhões de pessoas. É o caso da estudante de designer Yuri Rubio, de 21 anos, que mesmo tendo à disposição uma linha de trólebus bem avaliada não tem dúvida de que irá adotar o carro como seu principal meio de locomoção pela cidade. “Esse ônibus é bom. Normalmente dá para sentar. Passa por ruas de pouco fluxo, então dificilmente pega trânsito. Mas se eu tivesse um carro não ia andar de ônibus. Prefiro gastar esse tempo no ar condicionado do que nesse calor”, afirma. “Logo eu serei parte do problema”, brinca.
 “O tema da mobilidade, principalmente o tema do transporte era um assunto de pobre. Pela primeira vez, o tema do transporte é uma revindicação mais ampla. Porque a BMW também fica parada no congestionamento. Com exceção dos que tem helicóptero, todo o resto fica parado. Claro que é diferente, e isso é absolutamente importante de denunciar, ficar parado em um carro com ar condicionado, ou ficar parado no ônibus superlotado, amassado, sofrendo uma violência. Até porque você fica mais tempo entupido no ônibus superlotado do que no carro”, explica a urbanista e relatora da ONU para Moradia Adequada, Raquel Rolnik. 
Essa mudança, segundo a análise de Rolnik, tem a ver com o aumento do consumo de carros e o aumento do contingente de motoristas, grupo que tem sido determinante na tomada de decisão em relação aos rumos da cidade. Para ela, esses grupos agora passam a também reivindicar melhoras no transporte. “Elas começaram a aderir à ideia de que é preciso ter um transporte público de qualidade, coisa que não existia há 20 anos. Havia uma solidariedade, mas, como os carros circulavam numa boa, não tinha tanto problema. Agora tem”, acredita. “E eu ouso dizer que o elemento agregador dessa história toda é a ideia que a mobilidade é um direito de todos”, acredita.

Fonte: Rede Brasil Atual - http://virou.gr/QT3nlV

Nenhum comentário:

Postar um comentário