domingo, 13 de novembro de 2011

Até funerárias faturam com a má qualidade do sistema de saúde

A situação do sistema de saúde pública está tão ruim que os planso privados estão proliferando. Em São Paulo mais de 60% das pessoas já tem um plano de saúde privado para escapar dos postos de saúde e dos hospitais municipais. Como diz a aposentada Neusa de Oliveira de 72 anos: “Prefiro pagar a funerária e um valor menor pela consulta a ter de enfrentar o SUS”.

Cremesp fecha cerco a médicos ligados a 'planos de saúde' de funerárias

11 de novembro de 2011

KARINA TOLEDO - O Estado de S.Paulo

O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) notificou 575 médicos e 100 estabelecimentos de saúde que mantêm parcerias com empresas do ramo funerário para oferecer descontos em consultas e outros procedimentos. A prática é proibida pelo Código de Ética Médica e condenada por órgãos de defesa do consumidor.

De acordo com levantamento do Cremesp, há pelo menos 18 funerárias, com atuação em 95 cidades do Estado, que comercializam cartões de descontos e atuam na intermediação de consultas médicas e odontológicas. Algumas até colocam sua "rede credenciada" na internet, com indicação de médicos por especialidade. Outras abriram clínicas próprias para oferecer o atendimento a seus associados.

Renato Azevedo, presidente do Cremesp, explica que uma resolução da entidade de 2006 transformou em infração ética a vinculação de médicos a cartões de desconto. A proibição foi reforçada pelo novo Código de Ética, que entrou em vigor no ano passado. "O grande problema é que esse tipo de serviço não garante a integralidade da assistência. Não adianta dar desconto em consulta e não garantir internação e cirurgia. Além disso, a consulta acaba se tornando um brinde de uma transação comercial, o que caracteriza a mercantilização da medicina", afirma.

No mês passado, o Cremesp solicitou aos profissionais que encerrem os convênios com as funerárias e enviem ao Conselho, em 90 dias, o comprovante de desligamento. Quem não atender ao pedido pode sofrer processo ético e até perder a licença profissional.

Propaganda enganosa. Para Juliana Ferreira, a advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a prática é ilegal e pode ser classificada como "propaganda enganosa". "O consumidor é induzido a pensar que está adquirindo um plano de saúde e acha que vai ter um atendimento integral, que é o que a lei dos planos de saúde lhe garante. Mas não vai." Segundo ela, caberia à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) coibir esse tipo de atividade. "Entendo que se a empresa comercializa serviço de assistência à saúde ela é uma operadora e deveria ser regulada pela ANS."

Procurada, a ANS afirmou em nota que as operadoras registradas estão proibidas de oferecer cartões de desconto, mas "outras empresas não são impedidas de fazê-lo". Em 2003 a agência divulgou um comunicado desaconselhando a prática.

Paulo Oliver, da Comissão de Estudos sobre Planos de Saúde e Assistência Médica da Ordem do Advogados do Brasil (OAB-SP), diz que a prática de intermediar descontos em assistência médica pode ser considerado um "possível estelionato moral", pois as funerárias não assumem responsabilidade com a saúde dos compradores dos planos.

"Algo que foge à ética e em tom de piada leva-nos a crer que os médicos e outros praticam o crime de concorrência desleal, colocando em dúvida se esses seriam bons profissionais, pois deveriam buscar a vida e a saúde e não trabalharem como parceiros da morte."

Diretrizes. Já Lourival Panhozzi, presidente da Associação Brasileira de Empresas e Diretores Funerários, afirma que antiético seria "impedir que as pessoas carentes tenham acesso à saúde". As funerárias, diz ele, descobriram que uma forma de cativar seus clientes é ter essa atuação social. "Assim demonstram que não estão apenas interessadas no óbito do cliente. Ilegalidade não existe. Elas não comercializam planos de saúde e deixam isso claro aos associados no contrato." Panhozzi diz ainda que o setor está disposto a discutir com o Cremesp a criação de diretrizes para o atendimento.

A prática das funerárias foi denunciada no relatório final da CPI dos Planos de Saúde da Câmara dos Deputados, em 2003. Já na Assembleia Legislativa de São Paulo chegou a tramitar um projeto de lei que proibia a comercialização de sistemas de vinculação do consumidor a prestadores de serviços funerários. O projeto foi arquivado.

Aposentada usa esse tipo de convênio desde 1992

Por R$ 50 no trimestre, ela tem desconto em consultas; para usuário, é melhor pagar funerária do que ir para o SUS

José Maria Tomazela, Tatiana Fávaro e Karina Toledo

A aposentada Neusa Máximo de Oliveira, de 72 anos, usa o cartão da funerária Ossel para pagar consultas médicas desde 1992. Ela conta que, quando perdeu o marido, a família arcou com o alto custo de sepultamento. “Minha filha decidiu fazer um plano funerário e o desconto nas consultas médicas veio junto.”

Neusa paga R$ 50 a cada três meses e usa o cartão para ir ao médico. “Acabo de usar na oftalmologista, uma médica muito boa. Paguei R$ 75 por uma consulta que custaria R$ 150.”

Quem também aderiu ao plano funerário foi o representante comercial João de Andrade, de 47 anos. Ele paga à funerária Bracalente, em Campinas, R$ 29 por mês por um plano familiar que dá cobertura a ele próprio, à mulher, às duas filhas, aos seus pais e sogros. “Minha família tem plano, mas meus pais e meus sogros não. Então, compensa pagar o plano funerário”, disse.

Andrade conta que, quando eles precisam de médico, marcam consulta particular com um profissional indicado pelo plano e o preço cai de R$ 200 a R$ 250 para algo entre R$ 45 e R$ 55. “Prefiro pagar a funerária e um valor menor pela consulta a ter de enfrentar o SUS”, diz.

“Se esse plano for fechado, ficarei em uma situação delicada. Plano para idoso é uma fortuna e consulta particular, muito cara.”

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