Nas recorrentes denúncias de corrupção que há décadas afloram no noticiário, surgem diariamente nomes de funcionários públicos e políticos, mas pouco se fala das empresas corruptoras. Na base do processo, costumeiramente há os milionários interesses empresariais na disputa por contratos em todas as esferas e níveis de administração pública – municipal, estadual e federal - que, na ausência de uma legislação rigorosa, se sentem impunes para atuar com práticas condenáveis. Chegou a hora de a sociedade dar uma basta e o Congresso Nacional tem um papel histórico a cumprir, para a vigência dos valores éticos nas relações entre o público e o privado no País.
O Projeto de Lei 6826/2010, encaminhado ao Congresso pelo Presidente Lula, visa preencher as lacunas existentes na responsabilização de pessoas jurídicas em atos contra a administração pública nacional e estrangeira, em especial os atos de corrupção. Tem uma abrangência maior e prevê punições mais graves do que as previstas na Lei de Licitações. Permite também punir a ação de corrupção em relação à fiscalização tributária, ao sistema bancário público e às agências reguladoras.
Vários países do mundo já dispõem de legislações que contemplam a responsabilização de pessoas jurídicas por atos de corrupção. Apenas para citar alguns: EUA (1977), Espanha(1995), França(2000), Itália(2001), Chile(2009) e Reino Unido(2010). O Brasil obrigou-se a punir de forma efetiva as empresas corruptoras a partir da ratificação de Convenções Internacionais (ONU, OEA e OCDE). Sem legislação nacional não é possível a punição de empresas brasileiras que atuem irregularmente no exterior.
O PL6826/2010 prevê a responsabilização objetiva das empresas afastando a discussão sobre o dolo ou a culpa da pessoa física na prática da infração. Elimina-se a necessidade de identificação da autoria da conduta, com as dificuldades inerentes de comprovação dos elementos subjetivos envolvidos na caracterização do ilícito. A pessoa jurídica será responsabilizada uma vez comprovado o fato, o resultado e o nexo causal entre eles, o que não exclui a eventual responsabilização da pessoa física em processo apartado. O modelo de responsabilização objetiva da pessoa jurídica é amplamente adotado no sistema jurídico brasileiro (Código de Defesa do Consumidor, Lei Ambiental, Lei do CADE, etc.)
É adotada ênfase na responsabilização administrativa e civil porque esses processos, sem prejuízo à ampla defesa e ao contraditório, tem se revelado muito mais célere e efetivo no combate à corrupção.
O PL estabelece sanções de caráter pecuniário (multa) e não pecuniário (proibição de contratar com o poder público, por exemplo). Busca-se a repressão do ato ilícito praticado, mas também, evitar a sua repetição. As sanções previstas para responsabilização judicial da pessoa jurídica têm o propósito de complementar as penalidades aplicadas na esfera administrativa. Inclui penalidades mais graves indo até a extinção compulsória da pessoa jurídica.
A implantação pelas empresas de normas de controle interno e de ética empresarial é incentivada pelo Projeto, visto que sua adoção atenuará as penalidades adotadas.
A Comissão Especial que analisa o PL 6826/2010, da qual sou Relator, já está funcionando e realizando audiências públicas com o objetivo de ouvir a opinião de empresários, juristas e órgãos de controle. Vamos fazer um estudo das legislações adotadas em outros países com o objetivo de adotarmos uma legislação moderna que garanta não apenas a inserção plena do Brasil no panorama internacional, mas principalmente de combater empresas que se utilizam de artifícios não republicanos para obter favores.
Há uma tendência, alimentada pela mídia, de se dizer que todos os males resumem-se ao setor público, mas a verdade é que segmentos da iniciativa privada estão inextricavelmente ligados à prática de desvios de recursos públicos e superfaturamento, não só no Brasil, mas também em democracias já consolidadas. Há diferentes denuncias de escândalos envolvendo empresas e setor público no Reino Unido, Estados Unidos , Alemanha. A diferença é o tratamento que se dá a cada caso, com multas milionárias e legislação rigorosa.
No Reino Unido, acaba de entrar em vigor uma lei que fecha o cerco à corrupção corporativa, chamada "UK Bribery Act", que transforma em crime o pagamento de propina, inclusive entre empresas privadas.
A cultura da corrupção assola o país há décadas. Essa cultura acaba impregnando o imaginário da população, dificultando a prática da cidadania e, por extensão, a própria governabilidade. A punição aos corruptores é da maior atualidade na medida em que casos de corrupção, envolvendo relações promíscuas entre representantes do setor privado e do setor público, comprometem a idoneidade do processo decisório.
Mas não nos enganemos, para que esse Projeto avance e se transforme em Lei é fundamental que a opinião pública se manifeste e apóie a sua aprovação. Um processo democrático de organização de políticas públicas exige a participação de todos os setores da sociedade.
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