segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Quem julga?

Marcos Coimbra


Carregar nas tintas de uma denúncia é permissível, e, por isso mesmo, alguém tem que evitar que se convertam, automaticamente, em punição

Os grandes grupos de mídia brasileiros não se prepararam para a cobertura do julgamento do mensalão.

Sua parafernália foi montada com outro intuito: noticiar o dia a dia de uma condenação.

Se não de todos os 38 réus, pelo menos das principais figuras do PT e de outros partidos que foram acusados. Junto com alguns dos personagens de fora da política que se tornaram simbólicos dos eventos que suscitaram as denúncias.

A "grande imprensa" faz plantão na porta do Supremo Tribunal Federal aguardando a condenação. O julgamento é um detalhe, uma burocracia que só retarda o desfecho que espera — e deseja.

A rigor, ela não demonstra interesse pelo que vai acontecer no STF, de agora até que o último réu seja julgado. Parece achar que a história do mensalão já foi escrita.

É irrelevante se o jornalista ou seu empregador estão convencidos da culpa de alguém. Até porque a última preocupação que têm é com a Justiça. Suas convicções políticas, suas antipatias e simpatias impedem a isenção exigida para julgar.

Muitas pessoas acreditam que o pleno exercício do papel da imprensa requer o que chega a ser exacerbação crítica. Sem uma incansável disposição de recusar a verdade estabelecida, sem ser sistematicamente "do contra", ela seria dispensável. No limite, como dizia Millôr Fernandes, "Jornalismo é de oposição, o resto é armazém de secos e molhados".

Certa ou errada a frase (e, no Brasil de hoje, nada menos oposicionista — no sentido que Millôr dava à palavra — que os veículos da indústria de comunicação, que costumam ser apenas porta-vozes do situacionismo de ontem), o que ela ressalta é a incongruência entre julgar e fazer imprensa investigativa.

Essa pode — e talvez deva — ir mais longe na denúncia que o justo (considerando, é claro, os veículos e profissionais que se mantêm no jornalismo e ignorando os agentes do jogo ideológico de baixa qualidade).

O mesmo vale para a atuação do Ministério Público. Excessos saudáveis de alguns de seus integrantes ajudaram no amadurecimento de nossas instituições, ainda debilitadas pelo autoritarismo. Promotores "incômodos" são mais úteis à sociedade que os "bonzinhos".

De novo, isso é incompatível com a função de julgar. "Carregar nas tintas" de uma denúncia é permissível, e, por isso mesmo, alguém tem que evitar que se convertam, automaticamente, em punição.

O julgamento do mensalão não é o endosso dos ministros do STF ao que a "grande imprensa" diz e nem tampouco o referendo da denúncia apresentada pelo procurador-geral. É o momento em que a acusação deixa de ser unilateral e a defesa — tão legítima quanto ela — é ouvida.

Dele, ninguém deve sair condenado sem prova irrefutável de culpa.

Nossa "grande imprensa" se colocou em uma posição delicada. De tanto apostar na condenação — seja por estar convencida da excelência de sua investigação, seja para golpear o "lulopetismo"—, ficou sem saída.

Ou o STF faz o que ela quer ou está obrigada a repudiar seu pronunciamento.

Caso não venham as penas, como se explicará a seus leitores e à opinião pública? Reconhecerá que se excedeu, que atacou sem provas, que destruiu imagens e reputações irresponsavelmente?

Ou vai insistir que estava certa e errado é o julgamento do Supremo? Que, portanto, os cidadãos brasileiros não podem confiar na Justiça?

Para ela, só pode haver um desfecho: a condenação. Mas que julgamento seria esse, se todos já foram condenados?

O que a "grande imprensa" brasileira menos quer é que o Supremo julgue. Ela já fez isso.

E não admite a revisão de seu veredicto.

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