domingo, 10 de abril de 2011

A precipitada "condenação" da OEA à Belo Monte

Leia esta importante análise do assessor da bancada do PT pra assuntos internacionais sobre a suposta condenação da OEA à implantação de Belo Monte. Mais uma versão tendenciosa da mídia brasileira.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos e Belo Monte
Marcelo Zero


Os Fatos

Em 1º de abril, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em função de petição a ela direcionada em outubro do ano passado, emitiu a seguinte medida cautelar:

MC 382/10 - Comunidades Indígenas da Bacia do Rio Xingu, Pará, Brasil 

Em 1 de abril de 2011, a CIDH outorgou medidas cautelares a favor dos membros das comunidades indígenas da bacia do Rio Xingu, no Pará, Brasil: Arara da Volta Grande do Xingu; Juruna de Paquiçamba; Juruna do "Kilómetro 17"; Xikrin de Trincheira Bacajá; Asurini de Koatinemo; Kararaô e Kayapó da terra indígena Kararaô; Parakanã de Apyterewa; Araweté do Igarapé Ipixuna; Arara da terra indígena Arara; Arara de Cachoeira Seca; e as comunidades indígenas em isolamento voluntário da bacia do Xingu. A solicitação de medida cautelar alega que a vida e integridade pessoal dos beneficiários estariam em risco pelo impacto da construção da usina hidroelétrica Belo Monte. A Comissão Interamericana solicitou ao Estado brasileiro que realize processos de consulta, em cumprimento de suas obrigações internacionais, no sentido de que a consulta seja prévia, livre, informativa, de boa fé, culturalmente adequada, e com o objetivo de chegar a um acordo, em relação a cada uma das comunidades indígenas afetadas, beneficiárias das presentes medidas cautelares. Adicionalmente, a CIDH solicitou ao Estado garantir que, previamente a realização dos citados processos de consulta, essa mesma consulta seja informativa, e que as comunidades indígenas beneficiárias tenham acesso a um Estudo de Impacto Social e Ambiental do projeto, em um formato acessível, incluindo a tradução aos idiomas indígenas respectivos. Igualmente, a Comissão solicitou a adoção de medidas para proteger a vida e a integridade pessoal dos membros dos povos indígenas em isolamento voluntário da bacia do Xingú, e para prevenir a disseminação de doenças e epidemias entre as comunidades indígenas beneficiárias das medidas cautelares como consequência da construção da hidroelétrica Belo Monte, tanto daquelas doenças derivadas do aumento populacional massivo na zona, como da exacerbação dos vetores de transmissão aquática de doenças como a malária.

Como resposta à divulgação dessa medida cautelar, o Itamaraty assim se pronunciou:

O Governo brasileiro tomou conhecimento, com perplexidade, das medidas que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) solicita sejam adotadas para “garantir a vida e a integridade pessoal dos membros dos povos indígenas” supostamente ameaçados pela construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte.

O Governo brasileiro, sem minimizar a relevância do papel que desempenham os sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos, recorda que o caráter de tais sistemas é subsidiário ou complementar, razão pela qual sua atuação somente se legitima na hipótese de falha dos recursos de jurisdição interna.

A autorização para implementação do Aproveitamento Hidrelétrico de Belo Monte foi concedida pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 788/2005, que ressalvou como condição da autorização a realização de estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental, em especial “estudo de natureza antropológica, atinente às comunidades indígenas localizadas na área sob influência do empreendimento”, com a devida consulta a essas comunidades. Coube aos órgãos competentes para tanto, IBAMA e FUNAI, a concretização de estudos de impacto ambiental e de consultas às comunidades em questão, em atendimento ao que prevê o parágrafo 3º do artigo 231 da Constituição Federal.

O Governo brasileiro está ciente dos desafios socioambientais que projetos como o da Usina Hidrelétrica de Belo Monte podem acarretar. Por essa razão, estão sendo observadas, com rigor absoluto, as normas cabíveis para que a construção leve em conta todos os aspectos sociais e ambientais envolvidos. O Governo brasileiro tem atuado de forma efetiva e diligente para responder às demandas existentes.

O Governo brasileiro considera as solicitações da CIDH precipitadas e injustificáveis.
EXPLICAÇÃO

• Em primeiro lugar, é necessário considerar que, no comunicado oficial disponibilizado no site da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (acima transcrito), não há nenhuma referência à suspensão das Obras da Usina de Belo Monte, como foi amplamente veiculado pela imprensa, embora isso possa ser inferido em razão das medidas cautelares recomendadas.
• Há também um claro exagero, na mídia local, quanto à natureza das medidas cautelares emanadas da Comissão. A Comissão emite tais medidas com base não texto da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, mas sim com base no artigo 25 do seu Regulamento.

• Tal artigo determina que:

Artigo 25. Medidas cautelares
1. Em situações de gravidade e urgência a Comissão poderá, por iniciativa própria ou a pedido da parte, solicitar que um Estado adote medidas cautelares para prevenir danos irreparáveis às pessoas ou ao objeto do processo relativo a uma petição ou caso pendente.

2. Em situações de gravidade e urgência a Comissão poderá, por iniciativa própria ou a pedido da parte, solicitar que um Estado adote medidas cautelares para prevenir danos irreparáveis a pessoas que se encontrem sob sua jurisdição, independentemente de qualquer petição ou caso pendente.

3. As medidas às quais se referem os incisos 1 e 2 anteriores poderão ser de natureza coletiva a fim de prevenir um dano irreparável às pessoas em virtude do seu vínculo com uma organização, grupo ou comunidade de pessoas determinadas ou determináveis.

4. A Comissão considerará a gravidade e urgência da situação, seu contexto, e a iminência do dano em questão ao decidir sobre se corresponde solicitar a um Estado a adoção de medidas cautelares. A Comissão também levará em conta:

a. se a situação de risco foi denunciada perante as autoridades competentes ou os motivos pelos quais isto não pode ser feito;

b. a identificação individual dos potenciais beneficiários das medidas cautelares ou a determinação do grupo ao qual pertencem; e

c. a explícita concordância dos potenciais beneficiários quando o pedido for apresentado à Comissão por terceiros, exceto em situações nas quais a ausência do consentimento esteja justificada.

5. Antes de solicitar medidas cautelares, a Comissão pedirá ao respectivo Estado informações relevantes, a menos que a urgência da situação justifique o outorgamento imediato das medidas.

6. A Comissão evaluará periodicamente a pertinência de manter a vigência das medidas cautelares outorgadas.

7. Em qualquer momento, o Estado poderá apresentar um pedido devidamente fundamentado a fim de que a Comissão faça cessar os efeitos do pedido de adoção de medidas cautelares. A Comissão solicitará observações aos beneficiários ou aos seus representantes antes de decidir sobre o pedido do Estado. A apresentação de tal pedido não suspenderá a vigência das medidas cautelares outorgadas.

8. A Comissão poderá requerer às partes interessadas informações relevantes sobre qualquer assunto relativo ao outorgamento, cumprimento e vigência das medidas cautelares. O descumprimento substancial dos beneficiários ou de seus representantes com estes requerimentos poderá ser considerado como causa para que a Comissão faça cessar o efeito do pedido ao Estado para adotar medidas cautelares. No que diz respeito às medidas cautelares de natureza coletiva, a Comissão poderá estabelecer outros mecanismos apropriados para seu seguimento e revisão periódica.

9. O outorgamento destas medidas e sua adoção pelo Estado não constituirá pré-julgamento sobre a violação dos direitos protegidos pela Convenção Americana e outros instrumentos aplicáveis. (grifo nosso)

• Assim sendo, a medida cautelar não implica pré-julgamento de eventual violação de direitos humanos.

• Cumpre assinalar, ademais, que não é a primeira vez que o Brasil é objeto de medidas cautelares da Comissão. Somente em 2009, o nosso país foi submetido às seguintes medidas cautelares da Comissão Interamericana de Direitos Humanos:

MC 224/09 – Adolescentes internados na Unidade de Internação Sócioeducativa (UNIS), Brasil

No dia 25 de novembro de 2009, a CIDH outorgou medidas cautelares em benefício dos adolescentes privados de liberdade na Unidade de Internação Sócioeducativa (UNIS), Brasil. No pedido de medidas cautelares se alega que a vida e integridade física de aproximadamente 290 adolescentes internados na UNIS está em risco devido às condições inumanas e degradantes do centro. Acrescenta que três adolescentes morreram na unidade entre abril e julho de 2009, e que muitos dos internos são alvo de espancamentos, agressões e torturas, supostamente por parte dos agentes do Estado e de outros adolescentes internados. A Comissão Interamericana solicitou ao Estado brasileiro que adote as medidas necessárias para garantir a vida e a integridade física dos adolescentes internados na UNIS, evitando que ocorram morte e atos de tortura no estabelecimento, assim como informar à CIDH acerca das ações adotadas para o fim de esclarecer judicialmente os fatos que justificam a adoção destas medidas cautelar
MC 236/08 – Pessoas Privadas da Liberdade na Penitenciaria Polinter-Neves, Brasil
Em 1 de junho de 2009 a CIDH adotou medidas cautelares a favor das pessoas privadas da liberdade na penitenciaria Polinter-Neves, na cidade de São Gonçalo, Estado do Rio de Janeiro. Na solicitação de medidas cautelares se alega que as pessoas custodiadas na penitenciaria Polinter-Neves não tem acesso a um tratamento médico adequado. Outrossim, alega-se que os internos com tuberculose e outras doenças contagiosas se encontram alojados com outras pessoas em celas super-povoadas e sem acesso à luz solar. A Comissão Interamericana solicitou ao Estado do Brasil adotar todas as medidas necessárias para proteger a vida, saúde e integridade pessoal dos beneficiários; assegurar o provimento de assistência médica adequada e evitar a transmissão de doenças contagiosas através de uma redução substantiva da superpopulação nesta penitenciaria; assim como informar à CIDH sobre as ações adotadas para implementar as medidas cautelares.

• Nesses casos, não houve grande repercussão pública, embora as medidas fossem da mesma natureza.

• Apesar do exagero da reação nacional, é preciso considerar que assiste razão ao Brasil na sua queixa.

• A Convenção Americana de Direitos Humanos foi assinada em 22 de novembro de 1969, na cidade de San José, Costa Rica, sendo conhecida como o “Pacto de San José”. Tal convenção está para o sistema interamericano de proteção aos direitos humanos assim como o Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos está para o sistema internacional das Nações Unidas. No entanto, a Convenção Americana de Direitos Humanos é muito mais instrumentalizada para a consecução de resultados concretos do que o Pacto da ONU em matéria de direitos civis e políticos.

• Com feito, elaborada numa época em que o continente americano era assolado por cruéis ditaduras, a Convenção Americana de Direitos Humanos tem toda a sua Parte I dedicada à definição dos “Deveres dos Estados e Direitos Protegidos, onde as responsabilidades dos governos, no que tange à proteção dos direitos humanos fundamentais, são cuidadosamente enumeradas.

• Merecem destaque, pelo seu caráter inovador e positivo, as seguintes disposições:

1- a proibição da pena de morte nos estados que a tenham abolido;

2- a condenação da tortura;

3- a proscrição da escravidão e da servidão;

4- a introdução do princípio da irretroatividade das Leis penais;

5- o direito a indenização por erro judicial; e

6- a introdução da igualdade de gêneros no casamento.

• Além de definir os direitos a serem protegidos e enumerar os deveres dos Estados, o Pacto de San José estabelece, na sua Parte III, os “Meios de Proteção” relativos aos direitos humanos no sistema interamericano. Para tanto, são definidos dois órgãos para tratar dos assuntos relacionados ao cumprimento dos compromissos assumidos pelos Estados-Partes: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

• Pois bem, de acordo com o artigo 44 da Convenção:

Qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade não-governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados membros da Organização, pode apresentar à Comissão petições que contenham denúncias ou queixas de violação desta Convenção por um Estado Parte.

• Assim, cabe à Comissão Interamericana de Direitos Humanos analisar e se pronunciar sobre tais denúncias. Deve-se ressaltar que a aceitação das funções judiciais da Comissão e da Corte Interamericana dos Direitos Humanos é facultativa. O Brasil aceitou submeter-se a tal jurisdição em 1998, sendo que a Declaração que introduziu tal aceitação na ordem jurídica interna foi aprovada pelo Congresso Nacional.

• Portanto, a Comissão, conforme o Pacto de San José, assinado e ratificado pelo Brasil, pode manifestar-se sobre a petição feita pelas populações indígenas que seriam afetadas por Belo Monte.

• Contudo, é necessário levar em consideração que o artigo 46 da Convenção determina que, para que uma petição seja aceita, é necessário, entre outras condições, que:

a. hajam sido interpostos e esgotados os recursos da jurisdição interna, de acordo com os princípios de direito internacional geralmente reconhecidos;

• Trata-se do princípio do esgotamento dos recursos internos. Isto é: os Estados não podem ser demandados por organismos internacionais, enquanto não forem esgotados os recursos jurídicos internos para resolver a questão.

• Este é o ponto central da Nota do Itamaraty. De fato, o Brasil tem um sistema judicial independente e atuante que garante a todos o direito ao acesso à justiça. Ademais, a democracia brasileira também funciona com base no princípio da independência dos poderes constituídos. Se o nosso país não tivesse uma justiça independente e instituições democráticas, a medida cautelar faria sentido.

• Outra circunstância em que tal medida se justificaria seria a qual em que todos os recursos judiciários nacionais tivessem sido esgotados pelos peticionários e não restassem outros recursos que não os internacionais. A esse respeito, é imprescindível considerar que, até o presente momento, Belo Monte é objeto de 10 ações civis públicas, todas ainda sem definição de última instância.

• Alguns argumentam que tal princípio não se aplicaria às medidas cautelares que, como já vimos, não implicam pré-julgamento de violação de direitos da Convenção. Contudo, é preciso assinalar que a Medida Cautelar emitida sobre Belo Monte foi feita com base em petição, a qual, com base no texto da Convenção, que se superpõe ao do Regulamento, só poderia ter sido aceita cumpridos os requisitos do artigo 46. É preciso ter em mente que o artigo 47 da Convenção determina que a Comissão declarará como inadmissível quaisquer petições ou comunicações que não cumpram todos os requisitos formais do artigo 46.

• Além disso, é conveniente lembrar também que o artigo 28 do Regulamento da Comissão, que dispõe subsidiariamente sobre a admissibilidade das petições, estipula que, entre outros requisitos para receber petições, é necessário que tenham sido apresentadas:

as providências tomadas para esgotar os recursos da jurisdição interna ou a impossibilidade de fazê-lo de acordo com o artigo 31 deste Regulamento;

• Por conseguinte, tem razão o Itamaraty. A medida cautelar é, no mínimo, precipitada.

• Ademais, o governo brasileiro realizou, além do Estudo de Impacto Ambiental, as consultas públicas com as comunidades atingidas. Foram, ao todo, 3 Audiências Públicas Locais e 1 Audiência Pública de maior abrangência realizada em Belém do Pará

• Em nossa opinião, embora a indignação do governo brasileiro seja justa, não se deve exagerar o alcance da medida. Trata-se de mera medida cautelar que não implica pré-julgamento e que não foi emanada propriamente da OEA, mas sim da Comissão, órgão do sistema interamericano que, embora tenha toda a legitimidade, é composto por apenas 7 pessoas, abaixo discriminadas.

NOMBRE ESTADO MIEMBRO PERÍODO DEL MANDATO

Felipe González

Chile 1/1/2008-31/12/2011

Paulo Sérgio Pinheiro

Brasil 1/1/2004-31/12/2011

Dinah Shelton

Estados Unidos 1/1/2010-31/12/2013

Rodrigo Escobar Gil

Colombia 1/1/2010-31/12/2013

María Silvia Guillén

El Salvador 1/1/2010-31/12/2011

José de Jesús Orozco Henríquez

México 1/1/2010-31/12/2013

Luz Patricia Mejía Guerrero

Venezuela 1/1/2008-31/12/2011

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