terça-feira, 31 de março de 2015

Artigo: Um novo padrão ético nas relações entre o público e o privado*

Por Carlos Zarattini

Há séculos a cultura da corrupção assola nosso país. Ao longo dos anos, ações punitivas e processos investigativos foram se desenvolvendo, se aperfeiçoando no sentido de libertar o setor público deste mal. Mas a corrupção envolve tanto servidores públicos, quanto políticos assim como empresas. As recentes denúncias que afloram na imprensa de possível esquema de corrupção na Petrobras para beneficiar servidores, parlamentares, partidos políticos e empresas privadas são exemplos tristes da participação dessas esferas em atos ilícitos.
É verdade que hoje os brasileiros estão perplexos com as denúncias de possível esquema de propina na Petrobras. E todos nós acompanhamos este cenário com certa apreensão. Contudo, sigo defendendo que essa situação requer de todos nós e dos órgãos competentes cautela, investigação e punição rigorosa de todos os corruptos e também dos corruptores. Além disso, nos envergonha e entristece constatar que esse possível esquema se iniciou lá trás no governo do Fernando Henrique Cardoso, sem qualquer investigação rigorosa.
Como se diz popularmente: não existe corrupto sem corruptor. E, na base deste processo muitas das vezes ocorrem também os interesses empresariais. No anseio de fechar contratos milionários com a administração pública - tanto na esfera municipal, quanto na estadual e federal -, as empresas, na ausência de uma legislação severa e eficiente se sentem impunes para atuar com práticas condenáveis. Por isso, a necessidade latente de se punir de forma rápida e efetiva garantindo o direito de defesa e coibindo que atos ilegais continuem sendo cometidos na Administração Pública.
            Foi com esse entendimento, essa visão, que lutei na Câmara para que os deputados e senadores analisassem o Projeto de Lei 6826/2010, do Executivo, encaminhado ainda durante a gestão do ex-presidente Lula, que tratava sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, em especial os atos de corrupção. Uma proposta com maior abrangência, prevendo punições mais graves do que as previstas na Lei de Licitações.
Esse rigor nas ações punitivas aplicáveis ao setor privado, contribuirá diretamente para coibir irregularidades no serviço público. Isto porque no meu entendimento, contrariando a ideia alimentada pela mídia de que todos os atos de corrupção se resumem ao setor público, algumas empresas privadas no Brasil estão ligadas à prática de desvios de recursos públicos, superfaturamento, suborno. E esse comportamento de parte do setor privado não é exclusividade do Brasil, podemos identificar exemplos em vários países com democracia consolidada como na Europa e nos Estados Unidos.
Depois de um árduo caminho de negociações, a proposta tramitou três anos e meio na Câmara e foi aprovada no Congresso em 2013. Virou Lei no dia 18/03/2015, quando foi regulamentada pelo Poder Executivo. Um passo importante nesta luta incansável por mais transparência e punição rigorosa contra a participação do setor privado nos crimes de corrupção, que muitas das vezes sangram de forma atroz os cofres públicos. Esta legislação vem com intuito não só de punir empresas corruptoras, mas especialmente para incentivar que se estabeleça um novo padrão ético nas relações entre o público e o privado. E já se percebe pouco a pouco, o efeito positivo desta Lei, mesmo sabendo que ela sozinha não significa o fim dos malfeitos. Contudo, ela tem sim o poder de mudar o comportamento empresarial no Brasil, fomentando um novo padrão ético.
Sei que neste combate, o Partido dos Trabalhadores e os governos Dilma e Lula são bons combatentes. São elementos engrandecedores e preponderantes para se garantir legislações mais rígidas. Por exemplo, é importante que se diga que os governos Lula e Dilma foram os que mais investigaram a corrupção e fortaleceram os órgãos de investigação no país, como Controladoria Geral da União e da Polícia Federal. Órgãos esses, que foram responsáveis por inúmeros casos de ações de punição contra funcionários por atos de corrupção.
Essa constatação não é minha. De acordo com pesquisa Datafolha, por exemplo, 46% dos brasileiros entrevistados também acham que o governo Dilma foi o que mais investigou a corrupção, desde a redemocratização brasileira. Em segundo lugar vem o governo do ex-presidente Lula com 16%, seguido do governo do ex-presidente Fernando Collor de Mello, que obteve 11% dos votos.
Essa mesma pesquisa também constata que 40% acha que foi na administração de Dilma Rousseff que mais corruptos foram punidos. Já na avaliação dos entrevistados, o governo Collor aparece em segundo lugar com 12%, seguido pelo governo Lula, com 11%. Entre os governos em que a corrupção foi menos punida estão o dos ex-presidentes Fernando Henrique (3%) e José Sarney (2%).
No intuito de contribuir com a vigência dos valores éticos nas relações entre o público e o privado no país, apresentei o projeto de Lei nº 1202, em 2007, com o intuito de disciplinar a atividade de “lobby”, no âmbito da Administração Federal e a atuação dos grupos de pressão ou de interesse e assemelhados no âmbito dos órgãos e entidades da Administração Pública Federal. Uma proposta que poderia, acredito fielmente contribuir diretamente para coibir os atos de corrupção.
A regulamentação do “lobby” contribuirá para um maior controle da própria sociedade sobre a atividade, vai limitar a conduta dos lobistas e dos próprios servidores públicos, para que não haja abusos nem tampouco conflitos de interesse. Além disso, vai garantir transparência e a idoneidade do processo e igualmente a responsabilização de possíveis atos irregulares.
Entretanto, sem o apelo social e da mídia, infelizmente, a proposta não avança na Câmara. Segue, aguardando parecer na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, inúmeras proposições têm tentado regulamentar a atuação do lobby na Administração Federal. Poucas prosperaram até agora. Sendo, portanto, oportuno que a população desperte interesse e aplique seu poder de pressão para que o Congresso analise propostas com esse viés.  
Na perspectiva de avançar, assim como Estados Unidos, Inglaterra, França e México que regulamentaram a prática, seguimos na luta para que Congresso supere esse déficit legislativo e ingresse numa fase de moralização e transparência do “lobby” parlamentar e também no âmbito dos Poderes Executivo e Judiciário. Pondo fim a anos de prática nebulosa e sem qualquer regulamentação.
Dando seguimento ao movimento de coibir e punir de forma mais severa atos de corrupção, a presidente Dilma Rousseff encaminhou ao Congresso, no dia 18/03/2015, um pacote anticorrupção. É imprescindível que se diga que o governo da presidente Dilma dá mais um importante passo na repressão e combate à corrupção no Brasil com a apresentação dessas medidas. Isso demonstra o compromisso que temos com o combate à prática de atos ilícitos e à impunidade no Brasil.
O pacote de medida chega num momento político e social importante demonstrando que o governo Dilma está atento aos anseios da população brasileira que hoje cobra nas ruas, por meio de manifestações em todo o país, o fim da corrupção e penas mais severas aos corruptos em corruptores. Ao anunciar as medidas, Dilma Rousseff destacou: “Não transigimos com a corrupção e temos o compromisso de enfrentar a impunidade que alimenta a corrupção. As medidas evidenciam que estamos no caminho correto. O enfrentamento à impunidade deve ser visto como uma política de Estado e não como um momento atual da história do nosso País. Temos que fortalecer as instituições públicas. Tenho certeza de que todos os brasileiros de boa fé sabem que a corrupção no Brasil não foi inventada recentemente (...). O que diferencia um governo do outro, um país do outro, é que alguns governos e alguns países criam condições para investigar e punir a corrupção. Outros não vão fazer isso”. Esse pronunciamento deixa evidente a intenção recorrente desse governo de se investigar tudo e todos.
            Simplificando, a proposta apresentada pelo governo defende a criminalização da prática de caixa 2, aplicação da Lei da Ficha Limpa para todos os cargos  de confiança na esfera do governo federal, alienação antecipada dos bens apreendidos, responsabilização criminal de agentes públicos e confisco de bens dos servidores públicos. O Executivo encaminhou também pedido de urgência na tramitação do projeto no Congresso, que trata da alienação antecipada de bens apreendidos.

Em última análise, cabe agora ao Legislativo apreciar e votar com agilidade essas medidas que vão ajudar a coibir atos ilícitos que sangram os cofres públicos. Mas para dar celeridade à análise dessas medidas a sociedade precisa abraçar esse pacote, precisa pressionar para que o Congresso Nacional assuma seu papel histórico de legislador e fiscalizador para a vigência dos valores éticos e o fortalecimento da democracia com o zelo ao bem público. 

*Artigo publicado pela revista Teoria e Debate 

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