quinta-feira, 13 de setembro de 2012

O projeto da Lei da Empresa Limpa


Mais um evidente atentado aos interesses da sociedade acontece no legislativo. Assistimos hoje, ao mesmo tempo do julgamento do Mensalão, uma forte pressão política sobre deputados na votação do Projeto de Lei nº 6.826, de 2010. Esse projeto, que já ficou conhecido como o projeto da Lei da Empresa Limpa, trata da responsabilização civil e administrativa de empresas por atos contra a administração pública nacional e estrangeira.
Esclareça-se que esse projeto visa a honrar o compromisso internacional assumido pelo Brasil. Explicamos: nos idos do escândalo de Watergate, os EUA descobriram que muitas empresas sistematicamente corrompiam outros governos fora de seu país para obter contratos milionários. À época, os EUA constataram que os empresários americanos, mesmo que respeitassem a ética nos EUA, pagavam propinas a governos estrangeiros para fechar negócios no mundo inteiro.
Por conta dessa constatação, os EUA promulgaram em 1977 a já famosa e temida Lei FCPA (que pune propinas a governos estrangeiros). Porém, as empresas americanas logo se deram conta que somente elas estavam obrigadas a se comportar bem fora de casa, enquanto suas concorrentes estrangeiras, principalmente as alemãs, japonesas e francesas, continuavam ganhando contratos mundo afora à custa de gordas propinas.
Assim, iniciaram as americanas uma cruzada para convencer outras nações na Organização de Cooperação ao Desenvolvimento Econômico (OCDE) a coibir a corrupção internacional. Conseguiram: trinta e nove países assinaram a "Convenção de Combate à Corrupção de Autoridades Estrangeiras" entre eles o Brasil, em 2000.
Ao ratificar a Convenção, o Brasil obrigou-se a promulgar lei específica para punir as empresas corruptoras, pois, ainda hoje, a nossa legislação só prevê punição a indivíduos. Daí o Projeto de Lei nº 6.826.
Apesar do esforço de alguns deputados para acelerar a votação da proposição, há notícias de que empresas poderosas estariam pressionando os parlamentares para impedir a apreciação célere do projeto.
A história se repete. Essa manobra já aconteceu em outros países. No Reino Unido a pressão da Confederação das Indústrias Britânicas não foi menos pesada do que a que sofre a nossa Câmara. O governo britânico foi extremamente criticado pela mesma OCDE e outros organismos internacionais por se recusar a processar a British Aerospace em 2006 por propinas supostamente pagas em uma operação de compra de armas com a Arábia Saudita.
Porém, em 2010 o Reino Unido finalmente promulgou sua Lei de Propina comprovando que o clima está mudando rapidamente. Até a Rússia e a China já têm suas leis punindo empresas corruptoras. Só faltam o Brasil, Argentina e Irlanda.
Mas o nosso projeto traz louváveis inovações, dentre as quais a responsabilização objetiva administrativa e civil das empresas por atos contra a administração pública, a aplicação de multa de 0,1% a 20% do faturamento bruto ou de R$ 6 mil a R$ 60 milhões, se não for possível utilizar o critério do faturamento, a declaração de inidoneidade, por no mínimo um ano, e a proibição de receber incentivos ou empréstimos de entidades públicas.
Agora, o projeto só precisa sobreviver às manobras políticas. Apresentado ao plenário da Câmara verificou-se que a proposição tratava de matéria de competência de mais de três comissões, justificando, portanto, a criação de Comissão Especial para discutir e votar a proposição.
Após o projeto original receber 35 emendas, o relator, deputado Carlos Zarattini, apresentou seu parecer votando pela sua constitucionalidade, adequação, boa técnica legislativa e, quanto ao mérito, pela sua aprovação com as alterações introduzidas por dez emendas aprovadas pela comissão.
No momento, o projeto de lei está pronto para pauta naquela comissão e o relator tenta acelerar o trâmite do projeto por meio de dispositivo do regimento interno que autoriza que a própria comissão discuta e vote o projeto, dispensando-se a necessidade de levar a proposição ao Plenário daquele órgão.
Assim, no caso de votação favorável pela comissão, o projeto seguiria para apreciação do Senado. Entretanto, essa aceleração pode ser afastada caso um décimo dos deputados apresente recurso contra a discussão e votação pela comissão e este seja provido pelo plenário.
Ou seja, apesar da intenção de alguns nobres deputados em acelerar o processo, é possível que parlamentares contrários a essa proposição articulem-se para evitar a sua apreciação pela comissão e, consequentemente, forcem que o projeto entre na longa fila da inflada pauta do plenário da Câmara.
Infelizmente, parece que a pressão sobre os parlamentares está funcionando mesmo. Como se sabe, 2012 é ano de eleições municipais e as grandes contribuições para campanhas são feitas por empresas. Logo, não é preciso muito esforço para concluir que os legisladores podem, realmente, ceder à pressão e evitar a rápida aprovação do projeto. Isso acontecendo, claro ficará, mais uma vez, que a grande maioria dos políticos prioriza interesses próprios, ao invés de priorizar os da sociedade.




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